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04 January 2024 16h33

Municípios estão atrasados na recolha obrigatória e gestão dos biorresíduos

Os municípios portugueses estão obrigados, desde segunda-feira, 1 de janeiro de 2024 a acrescentarem à já habitual recolha e reciclagem de resíduos urbanos um novo sistema de recolha dos biorresíduos descartados pelos seus munícipes, mas as entidades oficiais desconhecem como estão a ser executadas as medidas, enquanto os ambientalistas falam num atraso geral.

Nem a APA - Agência Portuguesa do Ambiente, nem a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) têm para já dados sobre quantos municípios operacionalizaram sistemas de recolha de biorresíduos (e como o fizeram), apesar de ser espectável que todas as câmaras tivessem definido e iniciado um sistema de recolha até 31 de dezembro de 2023, no âmbito da Diretiva-Quadro dos Resíduos da União Europeia, que estabelece as metas para a reciclagem de resíduos urbanos. 

À Lusa, a APA garantiu que pretende "reunir essa informação através dos Planos de Ação de Resíduos Urbanos dos Municípios e Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos, que ainda estão a ser entregues, bem como do registo de dados no Mapa Integrado de Registo de Resíduos Urbanos referente ao ano de 2023".

Por seu lado, o Ministério do Ambiente e Ação Climática (MAAC) disse à Lusa que os municípios têm acesso a apoios financeiros para desenvolverem sistemas de recolha seletiva e "um conjunto de incentivos", nomeadamente através da Taxa de Gestão dos Resíduos (TGR). Estes incentivos, segundo a tutela, incluem a devolução direta de verbas às autarquias pelos investimentos em projetos que promovam o aumento da recolha seletiva, o tratamento na origem de biorresíduos e a recolha multimaterial, possibilitando que "os municípios que cumpram os objetivos definidos nos seus planos de ação não vejam agravado o pagamento anual de TGR".

O MAAC salientou ainda que no PT2030 "estão previstos 286 milhões de euros para apoiar investimentos [de sistemas] na ‘baixa’, que serão distribuídos num contexto regional, através das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) e Comunidades Intermunicipais (CIM), e 114 milhões de euros para apoiar investimentos na ‘alta’".

Regulador quer vir a ter mão mais pesada sobre os municípos na gestão de resíduos


Tal como o Negócios já tinha avançado, a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) admite poder vir a ter um papel mais interventivo junto dos municípios para garantir que estes cumprem a lei e refletem de facto nos preços a pagar pelas famílias o real aumento dos custos com o serviço de gestão de resíduos urbanos.

Em causa está a previsão para 2024, por parte do regulador, de um disparo "entre os 20% e 25% nas tarifas aplicadas aos municípios" nos sistemas em alta. A ERSAR "mantém a sua competência para determinar as tarifas em alta a aplicar pelas entidades gestoras com capitais maioritariamente privados" (como as empresas do universo EGF, que pertencem ao grupo Mota-Engil). Por sua vez, cabe depois às autarquias a obrigação por lei de transpor diretamente para a conta de água dos seus munícipes o aumento nos seus próprios custos com a gestão de resíduos. No entanto, isto nem sempre acontece (por escolha política e sobretudo nas entidades sob gestão direta do poder local), gerando prejuízos avultados ano após ano, desde 2012.

De acordo com os dados mais recentes, de 2021, nesse ano os prejuízos dos municípios só com os serviços de gestão de resíduos urbanos ascenderam a 106,4 milhões de euros (ainda mais do que os 95 milhões registados em 2020). O valor deste défice em 2022 só será conhecido em fevereiro de 2024, quando a ERSAR publicar o volume 1 do Relatório Anual dos Serviços de Águas e Resíduos em Portugal (RASARP)

"Esta tendência tem-se mantido, ou mesmo piorado, o que reflete a necessidade de a ERSAR poder ter uma maior intervenção nesta matéria, respeitando a autonomia municipal, mas com instrumentos que assegurem o cumprimento da legislação pelos decisores municipais", avançou fonte oficial do regulador ao Negócios. 

Sobre os "aumentos significativos" esperados para 2024 nas tarifas de gestão dos resíduos urbanos, a mesma fonte diz que refletem "o acréscimo dos investimentos previstos para dar resposta às exigências do setor". Em causa está precisamente a "obrigatoriedade de implementação da recolha de biorresíduos pelas entidades municipais, o que implica um reajuste nas operações e a aplicação de sistemas de faturação dependentes da quantidade de resíduos indiferenciados produzidos", mais conhecidos como sistemas "pay as you throw" ou poluidor-pagador.

Em Portugal, a região centro é a que tem o menor nível médio mensal de encargos tarifários com os resíduos (4,3 euros/10 m3), estando o Algarve no extremo oposto (7,5 euros/10 m3). "Este serviço apresenta um nível de cobertura dos gastos deficitário em todas as regiões, sendo a média nacional de 76%, ou seja, em termos globais os gastos totais com a prestação do serviço não são integralmente recuperados" .

Ambientalistas da Zero dizem que há muita verba que está a ser desperdiçada

Para a associação ambientalista Zero, a data de 1 de janeiro de 2024 (a partir da qual a recolha de biorresíduos é obrigatória) só é importante "se os municípios escolherem o caminho correto", que é o de encontrarem uma solução efetiva, refletida e racional para cada território, sem se limitarem a apresentar um projeto qualquer só "porque está na lei e porque é preciso publicitá-lo".

"É um desafio enorme, mas é um desafio em que estamos a fazer tudo à pressa", disse à Lusa Paulo Lucas, da associação ambientalista. Segundos o ambientalista, os municípios estão "impreparados", não recorrem geralmente a modelos de recolha eficientes e eficazes, e muitos fazem o mais fácil, que é juntar um novo contentor ao lado do que já recolhe o lixo indiferenciado, o que pode até ficar mais caro para a câmara do que desenvolver um sistema adaptado às necessidades.

Para Paulo Lucas, os biorresíduos são fundamentais no processo de reciclagem, porque representam "40% daquilo que está nos resíduos urbanos" e são "mais difíceis de serem geridos do ponto de vista da separação nas habitações".

"O cenário atual é de 20% de recolha seletiva e de 80% de recolha indiferenciada. Ou seja, nós temos que fazer aqui quase um [efeito de] espelho. Temos que fazer uma mudança rápida e drástica neste processo. A recolha seletiva tem que passar a ser os 80%. E isso vai ser um processo extremamente difícil", considerou.

Quanto às verbas que o Governo diz estarem disponíveis, "não foram obviamente todos desperdiçados, porque houve adaptação dos sistemas de tratamento dos resíduos em ‘alta’, mas gastámos quase 400 milhões de euros para incrementar 3 a 4% da reciclagem em Portugal e, portanto, não é minimamente admissível que esta situação se perpetue", considerou Paulo Lucas, destacando que também estão a ser usadas "verbas de Fundo Ambiental com eficácia muito duvidosa".

A Zero defende que o melhor será implementar um sistema que tenha em conta as especificidades dos territórios. Se há locais mais pequenos, onde a compostagem doméstica pode ser mais racional, na generalidade dos municípios maiores poderá ter melhor resultado um sistema de recolha seletiva porta a porta, porque responsabiliza o cidadão ao obrigá-lo a separar os resíduos em casa e a depositar o lixo em dias específicos consoante o seu tipo.

"Efetivamente os municípios estão muito reticentes em avançar com esta abordagem, que é uma abordagem que na realidade obriga o cidadão a ter que participar mais", declarou, defendendo que têm de ser criadas condições para a participação das pessoas, caso contrário elas vão acabar por desistir, "porque efetivamente não têm benefícios, nem são penalizadas por participarem ou não".

A associação admite também a colocação de contentores para biorresíduos na rua, mas defende que, quer estes quer os contentores com o lixo indiferenciado, devem ser mantidos fechados para evitar a sua utilização aleatória, mas com controlo de acessos por um cartão eletrónico apenas por quem está autorizado.