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20 maio 2022 00h00

Excedente comercial impulsiona rublo

Excedente comercial impulsiona rublo
O valor de uma moeda depende dos fundamentais macroeconómicos e da política monetária do banco central. Crescentes excedentes comerciais, termos de troca mais favoráveis, contas públicas equilibradas, liberdade económica, estabilidade de preços e crescimento económico robusto impulsionam o valor de uma moeda, mas no curto prazo a política monetária do banco central influencia a procura de moeda e dita a competitividade externa via preço.

Os termos de troca são importantes para perceber a evolução das contas externas e da taxa de câmbio nominal. Os termos de troca melhoram quando os preços das exportações de um país aumentam aum ritmo superior ao dos preços das suas importações, dados pelo rácio entre o valor das exportações e o das importações. Se esse rácio for superior a um, então está a entrar mais dinheiro no país do que a sair ea moeda tende a valorizar. Por exemplo, a significativa subida dos preços dos combustíveis fósseis nos últimos meses, cuja dependência portuguesa é atualmente de 70%, deteriorou os termos de troca de Portugal e agravou o índice de preços nacional, penalizado pela inflação importada. Uma melhoria nos termos de troca indica que um país consegue com menos exportações comprar mais importações e, assim, aumentar a competitividade da sua economia, impulsionar o crescimento económico e melhorar o nível de vida das suas populações.

A crescente intensificação das sanções económicas do Ocidente à Rússia, após a invasão da Ucrânia, tem redesenhado os níveis de exportações e de importações entre estas duas geografias e, por conseguinte, redefinido os termos de trocas. A Rússia é uma economia emergente alicerçada nas exportações de commodities’ (recursos minerais, energéticos e agrícolas), sobretudo de petróleo e gás natural, mas também de ferro, aço, alumínio, fertilizantes, madeiras e cereais, e importadora de produtos manufaturados, tais como máquinas industriais, máquinas elétricas, produtos tecnológicos, carros e camiões e peças para os mesmos, produtos farmacêuticos e aviões. A dependência europeia dos combustíveis fósseis russos, a par do crescente interesse por bons acordos com fornecedores russos por parte de países de todo o mundo, tem suportado as exportações russas. Todavia, as sanções económicas ocidentais, além de terem diminuído consideravelmente as vendas do Ocidente à Rússia (as exportações alemãs caíram 58,7% em março), dificultam a logística e o pagamento das importações russas, desincentivando a venda de bens a Moscovo de muitos países fora do perímetro das sanções. Assim sendo, as exportações russas não foram penalizadas como o Ocidente pretendia, sustentadas também pela subida das cotações do petróleo e do gás natural, mas as importações diminuíram significativamente, conduzindo a economia russa a um excedente comercial histórico de 106,5 mil milhões de dólares nos primeiros quatro meses do ano (em abril o superávite foi de 40,2 mil milhões de dólares), alterando substancialmente os termos de troca a favor da Rússia, realidade que tem impulsionado o rublo, a moeda com melhor desempenho global em 2022. Mas há um custo para a economia russa que necessita constantemente de máquinas e bens tecnológicos para manter a sua atividade económica em funcionamento, além de criar potenciais tensões sociais devido às crescentes dificuldades ao acesso a bens globais pela população russa. A atual proeza histórica do excedente comercial russo tem facilitado a ação do Banco Central da Rússia (RCB) e permitiu a este descer a taxa de juro por duas vezes no mês de abril para 14%, depois da subida de 9,5% para 20%, no dia 28 de fevereiro, para travar a queda do rublo. Poucos dias depois da invasão, o sistema financeiro russo parecia à beira do colapso. Uma série de sanções financeiras, principalmente sobre as reservas cambiais do RCB, penalizaram o rublo e originaram uma corrida aos levantamentos de dinheiro pelos cidadãos russos. Então o RCB elevou os juros, impôs controles de capital e injetou liquidez no sistema bancário. Embora uma parte das reservas cambiais da Rússia permaneça congelada, o país ainda gera diariamente cerca de mil milhões de dólares com as exportações de energia.

Apesar da considerável subida da taxa de câmbio nominal do rublo, a taxa de câmbio real não melhorou assim tanto, pois na verdade a inflação na Rússia duplicou desde a invasão e fixou-se em 17,8% em abril. Também as perspetivas são de uma contração significativa do PIB em 2022.