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12 agosto 2022 09h20

Inflação ou recessão: o que recear mais?

Inflação ou recessão: o que recear mais?


PAULO ROSA

Economista Sénior do Banco Carregosa

A inflação consiste numa subida generalizada e contínua dos preços dos bens e serviços consumidos pelas famílias. Essa mesma alta dos preços é determinada pela conjugação de quatro fatores: oferta e procura de bens e serviços, procura e oferta de moeda (não a base monetária, ditada pelos bancos centrais, mas um agregado monetário mais lato, ou seja, a massa monetária, definida maioritariamente pelos bancos comerciais). A inflação aumenta sempre que a procura agregada seja superior à oferta agregada, sendo talvez a maior ineficiência económica. Pelo contrário, há lugar a deflação (queda dos preços) quando a oferta agregada supera a procura agregada, mas à medida que a oferta cria gradualmente a sua procura, ou seja, através de novos produtos introduzidos no mercado, maior crescimento, maior rendimento disponível das famílias, o mercado reequilibra-se e os preços dos bens e serviços estabilizam-se. A inflação é sempre um fenómeno monetário. Significa que com 1 euro se compra menos hoje do que ontem. Isto é, a inflação reduz o valor da moeda ao longo do tempo. Todavia, numa economia em forte crescimento a alta temporária dos preços é um sintoma do próprio acréscimo real de riqueza e desajustamentos transitórios entre o aumento da procura, consequência do maior rendimento disponível, permitindo optar por mais lazer em detrimento do trabalho, e uma oferta que leva o seu tempo a criar novos produtos e a automatizar ainda mais a economia que mais tarde ou mais cedo acaba por acrescentar uma cabal oferta de bens e serviços capaz de colmatar o aumento da procura agregada.

Contudo, a atual inflação é diferente e surge num contexto de crise económica. As dificuldades nas cadeias de abastecimento, ditadas pela pandemia de covid-19, estiveram na génese da atual inflação, no início temporária, mas que a transição energética e, já este ano, a guerra na Ucrânia tornaram cada vez mais persistente. Na Europa, a inflação é maioritariamente energética e baseada, em boa parte, na importação de combustíveis fósseis mais caros, subtraindo riqueza ao PIB europeu e penalizando os consumidores. Mas a persistência da alta dos preços dos bens e serviços tende a tornar-se cada vez mais duradoura à medida que a dinâmica perniciosa da inflação se aprofunda, corroborada por exemplo, pela manutenção ou aumento das margens por empresas com poder de mercado, os denominados cartéis, ou por governos que beneficiam com a alta dos preços, aumentando a sua receita fiscal. Por último, num fenómeno inflacionista de custos [importados], o BCE tenta ajustar a já frágil procura à menor oferta, aumentando o preço do crédito, mais um custo para as famílias. Todos estes fatores adversos conduzem paulatinamente a economia a uma recessão.

Os cartéis, normalmente, ocorrem em mercados definidos por oligopólios, nos quais existe um pequeno número de empresas com produtos homogéneos. Na verdade, o cartel opera como um monopólio, ou seja, como se fosse uma única empresa, prejudicando a concorrência e penalizando os consumidores ao aumentarem preços e restringirem a oferta. Ao limitar a concorrência, o cartel também prejudica a inovação, impedindo que novos produtos e processo produtivos surjam no mercado, resultando em perdas de bem-estar do consumidor e, no longo prazo, perda de competitividade da economia como um todo. Em Portugal, a Autoridade da Concorrência (AdC) procura, desde a sua criação em 2003, salvaguardar a livre concorrência, inscrita na Constituição da República Portuguesa no artigo 81º, alínea f).

A inflação em Portugal seria menor se existisse um cabal livre mercado e tivesse sido implementada uma política orçamental expansionista, sobretudo uma maior redução dos impostos sobre os combustíveis fósseis importados, abdicando de uma parte maior do ISP (Imposto sobre Produtos Petrolíferos), bem como do IVA que recai sobre os hidrocarbonetos. A receita do ISP do executivo português subiu J 84,7 milhões no 1º semestre deste ano, relativamente ao semestre homólogo de 2021, para J 1608,6 milhões. Entre os mesmos semestres, o IVA aumentou de J 7920,7 milhões para J 10052,3 milhões.

A inflação autoalimenta-se. Muitos querem ganhar mais, trabalhando menos. Açambarcamentos. A recessão é talvez o menor de dois males. A Reserva Federal dos EUA sabe-o e, por isso, luta para travar a inflação mais elevada dos últimos 40 anos e todos os vícios que a alta de preços acarreta. Além disso, os trabalhadores querem aumentos salariais, intensificando a inflação. Uma recessão desacelera a economia, as pessoas gastam menos e essa é uma das principais maneiras de impedir que os preços subam. A recessão renova o tecido empresarial. Em suma, apesar da recessão ser também penalizadora para as empresas de dimensão mais pequena e para a concorrência, a inflação é muito pior.