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11 dezembro 2023 13h00

Mais de dois terços da riqueza criada em Portugal vem dos serviços

Mais de dois terços da riqueza em Portugal criada vem dos serviços. A conclusão é de um estudo, divulgado esta segunda-feira pela Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), que mostra que os serviços mercantis são a atividade económica, com um contributo para a criação de valor superior à soma da indústria, atividades primárias, construção e administração pública.

O estudo realizado pelo ex-ministro e economista Augusto Mateus revela que "os serviços mercantis conheceram um forte e contínuo crescimento do peso relativo do respetivo contributo para a criação de valor na economia portuguesa", representando 72,1% da riqueza criada em 2018. Esse valor compara com um peso de 37,2% que tinham os serviços no final da década de 1950. Ou seja, é hoje duas vezes superior.

Esse crescimento foi sobretudo vertiginoso até aos anos 90, "sob o impulso da terciarização do consumo", mas tem abrandado ligeiramente desde então, "com o dinamismo dos serviços empresarias e dos serviços associados ao turismo e ao lazer a assumirem o protagonismo no impulso à expansão da relevância dos serviços na economia portuguesa". Isso fez com que, em meio século, os serviços conseguissem "um predomínio largamente dominante" no país.

Por outro lado, a produção de bens, nas atividades primárias e nas indústrias, conheceu um recuo significativo no contributo para a criação de riqueza. O estudo indica que, no final dos anos 50, a produção de bens valia 52,7% do valor adicionado bruto, mas em 2018 esse valor tinha caído para 16,7%, o que corresponde a três vezes menos. Isso contribuiu para que a produção de bens perdesse o seu "claro predomínio" dos anos 1950.

A queda mais intensa deu-se nas atividades primárias, que "viram o peso relativo do respetivo contributo para o valor acrescentado gerado na economia portuguesa ser reduzido em cerca de 10 vezes, tornando-se relativamente marginal". Já o declínio das indústrias foi "mais tardio e menos intenso", com os fundos estruturais a fazerem crescer o peso relativo das indústrias até aos anos 90. Porém, com o aprofundamento da construção europeia e a globalização, "as indústrias viram o seu peso relativo reduzir-se praticamente a metade, ao longo deste século, tornando-se claramente minoritárias".

O contributo das adminitrações públicas também "subiu expressivamente, sobretudo na última década do século passado e na primeira década deste século, combinando o dinamismo político, da atribuição de um vasto conjunto de direitos democráticos, com o dinamismo económico e financeiro, do acesso aos fundos europeus de investimento e desenvolvimento". Isso fez com que o investimento público aumentasse, assim como o emprego e a coesão social.

Porém, "sem a concretização de processos substanciais de reforma orientados para a eficiência dos serviços e para a racionalização financeira do Estado", o contributo das administrações públicas para a riqueza produzida era, em 2018 (7%), "pouco superior ao que fora em 1958-60 (6,6%), chegando a ultrapassar os 9% antes da crise financeira".

A acompanhar o perfil do contributo da administração pública, a construção e obras públicas contribuiu, em 2018, 4,2%. O valor é ligeiramente superior ao obeservado entre 1958 e 1960 (3,5%), mas chegou a ser de 7% antes da crise financeira. "O perfil de avanço e recuo do contributo da construção e obras públicas para o valor acrescentado na economia portuguesa foi alimentado por dois movimentos de estagnação estrutural, traduzidos em reduções relativamente abruptas e prolongadas, depois, em ciclos relativamente longos", explica o estudo.

Globalização fez recuar trocas entre empresas

Ao nível das atividades primárias (agricultura, a pecuária, a silvicultura e as pescas), a industrialização, nomeadamente no agroalimentar, "conduziu a uma clara inversão do peso relativo dos segmentos finais [associadas ao consumo privado, exportações e investimento] e intermédios [procura das empresas] que, em termos de repartição percentual, passaram, respetivamente, de uma divisão 60-40, no final dos anos 50, para uma divisão próxima dos 35-65, ao longo dos anos 80 e 90".

Já nas atividades industriais, "apesar do significativo aumento do peso relativo das exportações, o peso relativo dos segmentos intermédios também se reforçou com nitidez", passando de 34%, no final dos anos 50, para 50% no final dos anos 90. Augusto Mateus explica essa tendência com "o forte dinamismo do investimento industrial, nacional e estrangeiro, impulsionado pelos incentivos financeiros viabilizados pelos fundos estruturais europeus", apesar da "intensificação da orientação exportadora".

"A densidade das trocas entre empresas e ramos de atividade, no seio da organização das cadeias de produção e distribuição nas atividades industriais em Portugal, conheceu, depois da alteração das suas condições de competitividade e da fragmentação mundial dos processos produtivos com a aceleração da globalização, onde a plena entrada da China nas regras do comércio internacional desenhadas na OMC desempenhou um papel relevante, um retrocesso significativo, alcançando em 2018 um valor inferior ao verificado em 1958-60, isto é, 32,1% face a 34%", lê-se no estudo.

Além disso, o comércio e serviços tem beneficiado do facto de combinar o crescimento do "terciário para o consumo final" com o crescimento do "terciário para o sistema produtivo". O contributo dos serviços à produção, "orientado para o mercado doméstico", quase quintuplicou no peso no valor adicionado bruto total, passando de 3,1%, no final dos anos 50, para 14,4%, no final dos anos 80.

Já o contributo dos serviços ao consumo para a criação de riqueza passou de 10,6% para 21,3%, "refletindo os efeitos positivos da democratização na repartição do rendimento e da integração europeia na modernização do consumo e na aceleração do crescimento económico".