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Portugal não foi o único que se desviou da regra de atualização de pensões
Vários países deixaram nas últimas décadas de indexar o aumento de pensões à evolução dos salários, preferindo a inflação. Como os salários subiam mais, a decisão foi tomada para limitar a despesa.
Nos últimos anos, porém, os preços subiram mais que os salários, a indexação à inflação tornou-se mais favorável aos pensionistas e a legislação mais cara do que previam as contas públicas, descreve a OCDE.
Portugal está entre os 14 países que se desviaram da aplicação da fórmula de cálculo das pensões, conclui o relatório "Pensions at a Glance 2023", da OCDE. Seja num sentido favorável aos pensionistas (com os aumentos extra de 10 euros de 2022) como, ainda que temporariamente, num sentido desfavorável (com o adiamento da aplicação da fórmula integral das pensões, em 2023).
Por causa do aumento extra de dez euros aplicado em 2022 aos pensionistas com mais baixos rendimentos Portugal é referido como um dos países que aumentou pensões "acima do que a indexação à inflação" exigia, juntamente com a Noruega, a Polónia , Espanha, Lituânia ou a Turquia.
Contudo, o Reino Unido suspendeu as regras e "alguns países ajustaram o momento da indexação, com a Finlândia, França e a Letónia a antecipá-lo e Portugal a adiá-lo" no ano seguinte.
A polémica atualização à inflação de janeiro de 2023 "foi apenas de metade do que devia ter sido se a regra fosse seguida, embora com a combinação dos apoios extraordinários em 2022 [a chamada meia pensão] os pensionistas com menos rendimentos tenham recebido mais", conclui a OCDE.
"Um ajustamento adicional em julho de 2023 aumentou as pensões para o nível que a regra sobre indexação à inflação requeria", acrescenta o documento.
Como o gráfico que a OCDE destaca, ao comparar janeiro de 2022 com janeiro de 2023 (quando a fórmula de atualização de pensões tinha sido suspensa e não aplicada), Portugal surge como um dos 18 países onde no início de 2023 as pensões sofriam perdas de poder de compra (-2,3%).
Mas é o relatório que sugere cautela nas comparações, já que o período escolhido é "arbitrário". No caso português não considera o valor adicional que só foi decidido em abril e pago (sem retroativos) a partir de julho.
Dos 14 países que de alguma forma se desviaram da regra das pensões há três que aprovaram regras menos favoráveis aos pensionistas (República Checa, Itália e Reino Unido) e sete que aprovaram aumentos mais altos (incluindo Portugal com o aumento extraordinário de dez euros). Quanto à alteração de calendário, houve quatro que anteciparam a aplicação da regra (incluindo a Finlândia, França ou Itália) e dois que adiaram a aplicação integral da fórmula (Luxemburgo e Portugal, que adiou por seis meses).
OCDE levanta questões "delicadas":
devem as pensões mais altas subir ao nível da inflação?
Preocupada com impacto nas contas públicas, a OCDE sugere que os desvios à regra da inflação abranjam essencialmente as pensões mais altas.
"No período mais recente, os salários, e portanto a maior parte das receitas dos sistemas de pensões, não aumentaram ao mesmo ritmo", e de uma forma geral os salários perderam poder de compra, diz o relatório. "Se os benefícios são ajustados em linha com a inflação isto gera défices no financiamento das pensões – e nas finanças públicas em geral".
Seguir ou não a inflação "depende do espaço orçamental de cada país e das preferências políticas", diz a OCDE. "Aplicar as regras é essencial para a confiança do sistema de pensões, mas estas circunstâncias excecionais levantam questões delicadas que podem abrir a porta a desvios excecionais das regras".
Quais? Limitar a aplicação da indexação à inflação às pensões mais altas, a partir de um nível que não é definido. "Proteger as pensões mais baixas enquanto se limita o impacto da inflação no financiamento do sistema de pensões em temos de inflação alta pode ser conseguido pela indexação apenas parcial abaixo de determinado limite, pelo menos temporariamente", sugere a OCDE. Os autores admitem que as pensões mais altas sejam compensadas no futuro.
Em Portugal, a regra em vigor já desprotege mais as pensões mais altas, que no próximo ano só voltarão a ter atualizações em linha com a inflação registada porque a economia cresceu em média mais de 3% num período de dois anos. Se tivesse crescido menos, isso já não acontecia, como no passado não aconteceu, levando a perdas de poder de compra mesmo no caso de pensões de mil euros.