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30 junho 2024 10h50

"Se ganhar Le Pen em França e Trump nos EUA será um desastre", diz presidente do Clube de Roma

Ao lado da sul-africana Mamphela Ramphele, Sandrine Dixson-Declève foi uma das primeiras mulheres a liderar o Clube de Roma, em mais de meio século. Desde 2018 à frente da organização não governamental – fundada em 1968 por um grupo de cientistas, académicos, diplomatas e líderes –, não hesita em fazer ouvir a sua voz para deixar um alerta muito sério: "Na Europa, estamos numa situação que reflete a década de 1930. Se não tivermos uma liderança corajosa, podemos encaminhar-nos para a terceira guerra mundial". Face à possibilidade de eleição de Le Pen em França (com as eleições a arrancar este domingo, 30 de junho) e de Trump nos EUA, garante que "será um desastre para a Humanidade", numa entrevista ao Negócios à margem da conferência da EDP We Choose Earth, que teve lugar em Munique, na Alemanha. 

O que espera das eleições em França, e das presidenciais nos Estados Unidos? 

Se ganhar Marine Le Pen e a Frente Nacional, em França, e se ganhar Donald Trump nos Estados Unidos, será um desastre. Por duas razões: não só porque vai contra toda a agenda climática, mas também porque será um desastre para a Humanidade. Para mim, isto mostra que a democracia já não é estável e não vai servir as necessidades das pessoas. A democracia foi raptada pelo poder de certas pessoas e, em particular nos EUA, um criminoso pode efetivamente vir a ser eleito presidente. Já não há regras básicas. Temos Javier Milei na Argentina, temos Giorgia Maloni em Itália e Viktor Orbán na Hungria. E agora a ameaça de Le Pen em França e de Trump de regresso à Casa Branca. Esse movimento é muito semelhante ao dos anos 30 do século XX. 

A extrema-direita é um perigo real? 

Está a proliferar por toda a Europa. E não é só num país ou noutro. É uma ameaça nos dias de hoje. E é uma ameaça que surge sempre que há instabilidade económica. É só olhar para a década de 30 do século XX, quando a extrema-direita também usou a oportunidade que surgiu nessa altura para semear dúvidas.

O resultado das recentes eleições europeias surpreendeu-a?

Foi mais ou menos o que estávamos à espera. Mas tínhamos esperança que não pendesse demasiado para a direita. É dececionante porque todas as sondagens mostram que os cidadãos de toda a Europa acreditam nas alterações climáticas e 75% das pessoas sabem que é um problema, querem fazer parte da solução e estão mesmo dispostas a fazer a sua parte. E, no entanto, de alguma forma, a radicalização dos cidadãos fê-los virar-se contra o clima e a natureza, contra a as migrações e todas as outras questões. O que temos visto é um posicionamento da direita radical contra todas as questões que são realmente importantes e valiosas para a Europa, o que é muito preocupante.

A luta contra as alterações climáticas pode abrandar?
É preocupante ver o que acontecerá com o Pacto Ecológico Europeu, com a transição justa e com os sinais que demos às empresas que estão a fazer a sua transição energética e precisasm de abandinar as energias fósseis. Nos últimos meses, as empresas dos setores do petróleo e do gás afirmaram cada vez mais que estão a abandonar os seus investimentos em energias renováveis. Isto também está a criar problemas no mercado. Por isso, os sinais do mercado e os sinais políticos são muito preocupantes para mim.

O que foi feito na Europa nos últimos cinco anos está em risco?
Tenho muito receio e penso que tudo isto é um símbolo de que a base do poder na Europa sabe que estamos a evoluir e por isso está a agarrar-se àqueles que acreditam numa economia excessivamente financeirizada, numa economia que apenas serve alguns em vez de todos, àqueles que acreditam que uma economia que não é baseada no valor dos acionistas ou nos lucros é má. Veja-se o simples facto de não estarmos a tributar 2,8 mil milhões de euros de lucros excessivos por dia. É imoral, quando as pessoas estão a sofrer de pobreza energética. Por isso, preocupa-me que a base de poder europeia seja muito forte e esteja a lutar fortemente contra todos que estão prontos para a mudança. É por isso que precisamos de governos fortes. Se tivermos mais governos de direita, serão eles fortes e firmes a favor da utilização do Pacto Ecológico Europeu? Tem de ser esse o nosso rumo para criarmos resiliência e podermos competir com o resto do mundo.

Na sua visão, os combustíveis fósseis fazem parte da transição energética? 

Quem faz parte da comunidade científica, do mundo económico, ao lado dos activistas, decisores políticos e empresas, sabe que temos de ser mais fortes nas nossas mensagens, na nossa narrativa. E precisamos de acabar com este mito de que podemos continuar a queimar energia fóssil e ficar bem ao mesmo tempo.
Não vai ser assim. Não vamos ficar bem.  Já estamos perto de um aumento da temperatura mundial de 1,5 graus face à era pré-industrial. E sabemos que o custo da inação é maior do que o custo da ação. É isto que dizemos no livro "Earth For All": apresentamos os caminhos para a mudança e mostramos exatamente o que pode ser feito. Quanto à guerra, mostramos ao governo ucraniano como podemos ajudá-los a reconstruir o país. Trata-se de uma mensagem de esperança. Mas precisamos que pessoas de todos os sectores económicos estejam alinhadas neste propósito.

Apesar de todos os alertas dos cientistas, a luta contra as alterações climática ainda não avança ao ritmo que devia?

As pessoas estão assustadas. Acredito, e temos provas disso, que estamos a ser seriamente enganados não só pelo sector do petróleo e do gás, mas também pelo presidente russo, Vladimir Putin, que está a divertir-se imenso a tornar a Europa caótica, com incêndios aqui e ali, com "bots" em todo o lado, com táticas ao estilo Cambridge Analytica. E o mesmo se passa com a equipa de Donald Trump. Steve Bannon [diretor de campanha de Trump na eleição presidencial de 2016 e uma das personalidades mais influentes na direita radical nos EUA] já veio dizer para a Europa dizer que vai alimentar o fascismo e ajudá-lo a crescer por todo o continente. E nós todos pensámos: "Não, nós europeus somos pragmáticos, não vamos cair". E, no entanto, a maior parte da Europa caiu. Por isso, apelo aos governos que sejam corajosos e que lutem contra isso, porte estamos à beira de uma Terceira Guerra Mundial se não tivermos cuidado.

O que espera da COP29, este ano?

Será a mesma coisa de sempre. Mesmo as reuniões preparatórias estão a ser muito más. Nada de bom saiu da mais recente, na Alemanha, foi muito dececionante. Por isso, penso que, infelizmente, vamos ter um resultado muito semelhante em Baku e não sequer a certeza se vou participar.

Que mensagem deixa aos líderes de todo o mundo?

Gostava que os governos entendessem que a instabilidade e a desigualdade são más para todos. A minha mensagem para os cidadãos é: cuidado com o que desejam. Podem eleger um governo mais radical (seja ele de esquerda ou de direita, mas isso não significa que vão promover uma mudança económica real que permitirá que os cidadãos prosperem. Por norma usam narrativas que capturam a emoção do cidadão, mas não investem necessariamente onde é absolutamente fundamental. Neste momento, na Europa, estamos numa situação que reflete muito a década de 1930. Se não tivermos uma liderança corajosa para fazer a transição para a descarbonização e entender a importância dos efeitos desta policrise, podemos encaminhar-nos para uma terceira guerra mundial. A radicalização não é boa para a estabilidade. E muitas vezes vem com líderes muito arrogantes que pensam que têm soluções, mas estas são mais para si mesmos do que para as pessoas.