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10 janeiro 2025 10h00

Alertas de liquidez nos EUA: avisos pontuais, não estruturais

Alertas de liquidez nos EUA: avisos pontuais, não estruturais

Nos últimos meses de 2024, alguns sinais nos mercados financeiros dos EUA chamaram a atenção, levantando alertas pontuais sobre a liquidez, mas sem indicarem dificuldades estruturais. Um desses eventos foi a subida da SOFR (Secured Overnight Financing Rate) acima do limite superior da Fed Funds Rate no final do terceiro trimestre e, novamente, no final do ano. Até então, tal fenómeno só tinha ocorrido em março de 2020, no início do confinamento global causado pela pandemia. Embora esta situação tenha ocorrido em momentos típicos de maior dificuldade de liquidez - finais de trimestre e do ano - trata-se de um alerta para os investidores mais atentos, que percebem a importância de monitorizar tais eventos. São estes avisos que distinguem os investidores profissionais e experientes no mercado dos demais, atentos a estes fenómenos, mas conscientes da máxima "The trend is your friend", mantendo a aposta nas ações, sustentadas por indicadores económicos que continuam a evidenciar uma economia sólida e resiliente, enquanto permanecem vigilantes a todos os sinais de alerta.

 

 

Os indicadores económicos mais recentes reforçam essa visão. Os pedidos de subsídio de desemprego caíram para 211 mil, o valor mais baixo em oito meses. O PMI dos Serviços alcançou o nível mais elevado desde março de 2022. As ofertas de emprego atingiram máximos desde maio de 2024 e o GDP Now da Reserva Federal de Atlanta estima que a economia esteja a crescer a 2,5%. Esses dados mostram que, apesar das flutuações de curto prazo na liquidez, a economia americana mantém-se relativamente robusta.

 

  

Outro ponto relevante no final de 2024 foi a descida das reservas bancárias no balanço da Fed para menos de 3 biliões de dólares, um mínimo desde outubro de 2020. A descida de 326 mil milhões de dólares deve-se, em grande parte, às dinâmicas típicas de fim do ano, quando os bancos ajustam os seus balanços para cumprir os requisitos regulatórios, canalizando fundos para a facilidade de recompra reversa overnight (reverse repos) da Fed. Este movimento, no entanto, não deve ser interpretado como uma crise de liquidez estrutural, mas como um reflexo sazonal das condições do mercado no final do ano, embora anormal pela sua intensidade incomum nos últimos anos.

 

 

Já para 2025, de acordo com dados da Bloomberg de 7 de janeiro, vencem aproximadamente 6,6 biliões de dólares em T-Bills, que são títulos de curto prazo (maturidade até 1 ano), e 2,6 biliões de dólares em T-Bills-Notes (maturidade entre 2 e 10 anos) e T-Bonds (maturidade de 20 e 30 anos). Apesar de os T-Bills representarem o maior montante, a sua liquidez e maturidade de curto prazo reduzem o impacto no mercado. Em contrapartida, as T-Notes e T-Bonds, que implicam um compromisso de liquidez para prazos mais longos, podem representar alguma eventual dificuldade, especialmente num cenário de Quantitative Tightening (QT) da Fed.

 

 

Além disso, o défice orçamental anual dos EUA, à volta dos 2 biliões de dólares (cerca de 6,3% do PIB nominal no ano fiscal de 2024), aumenta ainda mais a necessidade de financiamento. Os bilhetes do tesouro são facilmente utilizados para remunerar a tesouraria das empresas, enquanto as obrigações do tesouro enfrentam maiores limitações para cumprir essa função.

 

 

Desde 2023, o Tesouro tem privilegiado a emissão de bilhetes do Tesouro, cuja participação subiu de 16% para 23% do total da dívida emitida. Em contrapartida, as T-Notes e as T-Bonds representam aproximadamente 68% do total da dívida, correspondendo, respetivamente, a cerca de 14,5 mil milhões de dólares e 4,8 mil milhões de dólares. Os restantes 9% são TIPS (Obrigações de proteção contra a inflação), Floating Notes (obrigações com taxa variável) e Federal Financing Bank.

 

 

Essa estratégia de aumentar a emissão de títulos do Tesouro dá flexibilidade ao Tesouro em momentos de stress de liquidez, beneficiando também da maior probabilidade de que as Fed Funds Rate permaneçam elevadas por mais tempo ('higher for longer"), sustentada pelos dados económicos recentes que refletem a robustez da economia.

 

 

Os acontecimentos do final de 2024 e do início de 2025 destacam sinais pontuais de alerta sobre a liquidez nos EUA, mas não indicam dificuldades estruturais. A economia continua relativamente robusta, com dados sólidos em várias áreas, como emprego, crescimento económico e indicadores de atividade. No entanto, o desafio para 2025 será o equilíbrio entre a gestão do QT da Fed e o financiamento de grandes montantes de dívida pública, especialmente pela concentração de maturidades em T-Bills e a pressão de longo prazo das T-Notes e T-Bonds. Investidores experientes estarão atentos a estas dinâmicas, conscientes de que a liquidez será uma variável-chave para os mercados em 2025.

 

 

Paulo Monteiro Rosa, Economista Sénior do Banco Carregosa