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20 outubro 2023 10h50

Conflito Israel-Hamas ameaça economia global

Vida Económica

O atual conflito entre Israel e o Hamas, que eclodiu na semana passada, poder-se-á agudizar e impactar negativamente a economia global se passar de um conflito confinado à faixa de Gaza a uma guerra regional gradualmente mais ampla, capaz de dificultar, desse modo, o transporte e escoamento do petróleo dos países do golfo pérsico via estreito de Ormuz. Por este estreito passam diariamente cerca de 21 milhões de barris de petróleo, cerca de 20% do consumo diário global, sendo, assim, o estreito de Ormuz o ‘corredor’ energético e o ponto de estrangulamento mais importante do mundo para o petróleo e para o gás natural liquefeito.

Em outubro de 1973, há precisamente 50 anos, a guerra israelo-árabe, conhecida também como guerra de Yom Kippur, culminou no embargo petrolífero dos países da OPEP, na sua maioria países árabes na altura, aos países que apoiaram Israel, sobretudo ocidentais, como forma de retaliação. A cotação do barril de petróleo triplicou, arrastando a economia global para uma estagflação (estagnação económica, associada a elevada inflação, sobretudo importada, impulsionada pelos preços dos produtos energéticos mais caros). Nessa época, a economia dos EUA era apenas 50% autossuficiente em combustíveis fósseis, ou seja, era relativamente dependente da importação de petróleo, tendo sido consideravelmente penalizada, tal como as economias europeias e a japonesa. Atualmente, a economia norte-americana é autossuficiente em petróleo, limitando, deste modo, a eficácia de uma eventual postura idêntica por parte dos países árabes nos dias de hoje. Ao embargo petrolífero da OPEP de 1973, seguiu-se o embargo de 1979, aquando da revolução iraniana, tendo a cotação do barril de petróleo duplicado nessa altura, agudizando novamente o fenómeno estagflacionista, sobretudos nas economias ocidentais. O súbito aumento do preço esteve ligado à escassez de combustível e às, consequentes, longas filas nos postos de combustíveis, semelhantes à crise do petróleo de 1973.

Já na guerra dos seis dias, em junho de 1967, o conflito árabe-israelita culminou também num embargo petrolífero pelos países árabes, durando, no entanto, apenas cerca de três meses, devido principalmente à falta de solidariedade e uniformidade no embargo, tendo o preço do barril de petróleo se mantido estável.

Atualmente, e caso o conflito no Médio Oriente se agudize consideravelmente, um embargo de petróleo pelos países da OPEP teria, muito provavelmente, pouca eficácia, justificado pelo peso cada vez menor do petróleo do Médio Oriente no consumo global, pela autossuficiência dos EUA, por interesses geopolíticos entre países da OPEP+ e Israel, e, sobretudo, porque este embargo já está implicitamente a ser executado pelos países da OPEP+ há mais de três anos. No final da primavera de 2020 e do primeiro confinamento ditado pela pandemia, a procura de petróleo diminuiu substancialmente e a sua cotação desceu consideravelmente, tendo os países da OPEP+ cortado a produção. Esta postura tem-se mantido e em setembro deste ano a Arábia Saudita e Rússia estenderam o seu corte de produção até ao final de 2023.

Sendo assim, no atual conflito, a maior ameaça para economia global reside sobretudo na obstrução do estreito de Ormuz, o que contribuiria para a escassez mundial de petróleo. O Irão controla o norte do estreito, sendo este uma ‘arma estratégica’ dos iranianos. Uma escalada do conflito poderia levar a um conflito direto entre Israel e o Irão, sendo os persas fornecedores de armas e dinheiro ao Hamas. Neste cenário, a Bloomberg Economics estima que o preço do petróleo poderia subir até aos 150 dólares por barril e o crescimento global cair para 1,7%, uma recessão que retiraria cerca de um bilião de dólares à produção mundial.

Uma escalada dos preços para os 150 dólares poderia ser contraproducente para os países árabes produtores, contribuindo para acelerar a procura de energias alternativas, tais como as renováveis, incentivando ainda mais a produção de Shale Oil, sobretudo nos EUA.

A economia europeia, ainda muito dependente dos combustíveis fósseis importados, seria consideravelmente afetada num cenário de guerra direta entre Irão e Israel. Apesar da intensificação do processo de transição energética nos últimos anos (objetivo de neutralidade carbónica em 2050) e da procura por segurança energética desde a eclosão da guerra na Ucrânia, a Europa e Portugal ainda são muito dependentes do petróleo (correspondendo o petróleo e o gás natural a cerca de 70% da matriz energética portuguesa). Neste cenário muito pouco provável, o aumento das tensões entre as superpotências aumentaria. Os EUA são um aliado próximo de Israel, enquanto a China e a Rússia têm aprofundado os laços com o Irão.
Uma eventual entrada oficial do Hezbollah no conflito, partido político e milícia apoiada pelo Irão, sendo um ator poderoso no Líbano, e grande defensor da causa palestina, elevaria o atual patamar do conflito, podendo envolver oficialmente a Síria e o Líbano, impulsionando o preço do petróleo para os 100 dólares/barril, sendo também uma real ameaça a uma possível entrada direta do Irão no conflito.