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07 junho 2024 06h05

Contabilidade pública e nacional

Vida Económica

PAULO MONTEIRO ROSA Economista Sénior do Banco Carregosa


Tem existido algum equívoco entre contabilidade pública, baseada na ótica de caixa, em que são considerados os recebimentos e os pagamentos ocorridos num dado período, e contabilidade nacional, baseada nas regras do Sistema Europeu de Contas, e apurada pelo INE. Em boa verdade, os dados da execução orçamental estão em contabilidade pública, aquilo que foi efetivamente pago e aquilo que foi mesmo recebido, e não em contabilidade nacional, aquilo que é preciso pagar e os créditos que faltam receber.


A diferença entre contabilidade pública e contabilidade nacional é semelhante à distinção entre um simples recibo e uma simples fatura, ao nível da contabilidade de uma empresa. Ou seja, a empresa já recebeu dados montantes (recibo), mas ainda falta receber outras quantias que lhe devem (fatura), bem como a empresa já pagou (recibo), mas ainda deve dinheiro (fatura). Assim, a subida significativa da dívida pública em 2024 de 263,1 mil milhões de euros no final de dezembro de 2023 para 273,4 mil milhões de euros no final de abril deste ano, uma alta de 10 mil milhões de euros, prende-se com mais pagamentos do que recebimentos neste quadrimestre, sendo normal esta tendência de alta até ao final do verão, invertendo esta tendência no último trimestre do ano. Algum diferendo que haja é de curto prazo e de somenos importância. O mais provável é que o rácio da dívida pública fique abaixo dos 100% em 2024, e é a manutenção desta trajetória de descida que interessa aos investidores em dívida pública portuguesa.


No entanto, os ventos favoráveis da elevada inflação dos últimos dois anos para as contas públicas estão a terminar. Impulsionado pela significativa subida do índice de preços no consumidor, o PIB nominal em Portugal subiu 22,9% nos últimos dois anos, para 265,5 mil milhões de euros no final de 2023, de 216 mil milhões no final de 2021. Em 2022 havia-se fixado em 242,3 mil milhões de euros. O PIB real cresceu 9,3%, de 197,7 mil milhões de euros em 2021 para 215,9 mil milhões de euros em 2023, tendo sido de 211,2 mil milhões de euros em 2022. A base é o ano de 2016 para do PIB nominal, ou seja, a preços correntes, o que inclui a inflação, e para o PIB real, isto é, a preços contantes, excluindo o efeito da inflação, ou seja, aquilo que realmente se produziu, também conhecido como PIB em volume. Como as dívidas são nominais, o peso da dívida pública deve ser comparado ao PIB nominal, assim, no final de 2021, a dívida pública, na ótica de Maastricht, totalizou 269,1 mil milhões de euros, ou seja, 136% do PIB nominal desse ano. Tendo em conta que a dívida pública se tem mantido relativamente estável desde 2021 à volta dos 270 mil milhões de euros, o seu peso na riqueza nominal produzida desceu consideravelmente, mas este ano, a inflação mais moderada já não impulsionará o PIB nominal e o rácio da dívida já pouco descerá abaixo dos 100%, a não ser que a economia crescesse excecionalmente.


No dia 1 de março, a Standard & Poor’s subiu o rating da República Portuguesa para ‘A-‘, a última das grandes agências a colocar Portugal no clube restrito da classificação de ‘A’, tendo reiterado o seu outlook positivo, sinalizando assim que pode decidir em breve uma nova melhoria do rating. No entanto, no passado dia 17 de maio, a Moody’s manteve inalterada tanto a classificação da dívida soberana nacional em ‘A3’, bem como a perspetiva em ‘estável’, considerando a existência de riscos elevados de novas eleições antecipadas ainda este ano. A Moody’s não acompanhou a perspetiva positiva da Standard & Poor’s, identificando e diferenciando implicitamente um ‘antes’ e um ‘depois’ do dia 10 de março, marcado pelas relativas fragilidades dos rearranjos parlamentares no pós-eleições legislativas.


Relembrando, no dia 17 de novembro de 2023, a Moody’s havia subido o rating da dívida pública portuguesa em dois níveis, de ‘Baa2’ para ’A3’, mas tinha revisto em baixa a perspetiva de positiva para estável. Essa atualização em alta é equivalente à elevação do nível ‘BBB’ para ‘A-’ na mnemónica das outras principais agências de classificação de crédito. Atualmente, a Standard & Poor’s avalia a dívida soberana portuguesa em ‘A-‘ e perspetiva positiva, a Fitch em ‘A-‘ com outlook estável e a DBRS em ‘A’ com perspetiva estável. É provável que as agências de rating continuem a reiterar confiança na tendência positiva das contas públicas ‘certas’ em Portugal, mas não deixarão de mencionar, muito provavelmente, que um governo suportado por uma coligação minoritária pode ser um sinal de fragilidade no reforço dessa mesma trajetória de baixa do rácio da dívida pública portuguesa face ao PIB nominal. Um governo suportado por uma coligação minoritária pode travar temporariamente revisões em alta da classificação de crédito da República Portuguesa.