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20 abril 2023 09h50

Convergência com UE tarda após 40 anos de fundos

Convergência com UE tarda após 40 anos de fundos
Será o Portugal 2030 "a última oportunidade” de acesso a fundos europeus? A hipótese foi levantada pelo primeiro-ministro e, caso venha a confirmar-se, será também "a última oportunidade” para pôr todas as regiões portuguesas a convergirem com a média europeia com apoios de Bruxelas, o que nunca aconteceu, apesar de o país estar há quase quatro décadas a beneficiar de fundos comunitários.

Desde a adesão à União Europeia (UE) em 1986, Portugal recebeu de Bruxelas mais de 150 mil milhões de euros em fundos europeus. Agora, com a implementação do Portugal 2020 quase a terminar, o país prepara-se para receber mais 23 mil milhões até ao final da década, com o mesmo objetivo dos anteriores fundos: apoiar políticas públicas nacionais e locais que promovam a coesão económica, social e territorial.

Mas o desenvolvimento e convergência de Portugal com a UE teimam em não chegar. Estudos recentes da Agência para o Desenvolvimento e Coesão (AD&C), que coordena a utilização nacional de fundos europeus, mostram que, à exceção de Lisboa, ainda nenhuma região portuguesa conseguiu um PIB ‘per capita’ acima da média europeia. E, no caso da área metropolitana de Lisboa (AML), tem-se verificado um declínio no crescimento ‘per capita’ nos últimos anos.

"Portugal, no seu todo, apresenta um nível do PIB ‘per capita’ estagnado face à média da UE, num nível inferior a esta, nos últimos 20 anos”, explica Pedro Mazeda Gil, assessor estratégico do PLANAPP e professor na Faculdade de Economia da Universidade do Porto. "Essencialmente, as diferentes regiões estão razoavelmente estagnadas face à média europeia, com exceção da AML, que está em retrocesso – o que é ainda mais grave que estar na dita ‘armadilha’ de estagnação.”

Isso coloca dificuldades mesmo na convergência interna. Os estudos da AD&C, alguns deles elaborados pelo PLANAPP, revelam que algumas das NUT III têm tido um PIB ‘per capita’ acima da média nacional nas últimas duas décadas, por estarem a perder população. Ou seja, a perda populacional contribuiu para que o crescimento económico dividido por habitantes seja maior.

Mais grave ainda, a Lezíria e o Médio Tejo divergiram em termos nacionais e perderam população nos últimos 20 anos. Já a área metropolitana do Porto, Aveiro e Oeste divergiram face à média nacional mas conseguiram combater o despovoamento. Só o Cávado conseguiu registar um acréscimo populacional e crescer acima da média.

João Bernardo Duarte, economista e investigador da Nova SBE, indica que o cenário seria ainda pior se Portugal não tivesse acesso a fundos europeus. "Houve uma convergência regional dentro do país, onde os municípios mais pobres se aproximaram dos mais desenvolvidos. Sem os fundos, os municípios mais pobres teriam ficado mais longe dos mais ricos”, defende.

Num estudo que fez sobre o impacto dos fundos centrado no PT2020, conclui que a região autónoma dos Açores foi a que mais beneficiou dos apoios europeus, com "um impacto de 2% de crescimento do PIB anual entre 2014 e 2019”. "Tirando a região do Algarve e da AML, o impacto nas restantes regiões situou-se em aproximadamente 1% do PIB anual”, diz o economista.

"Dado que as regiões do Alentejo, Centro e Norte cresceram o PIB em média 4% ao ano, isto significa que o impacto dos FEEI [fundos europeus estruturais e de investimento] foi determinante para o crescimento económico destas regiões. Sem os FEEI, estas regiões teriam visto o seu crescimento do PIB reduzido em um quarto”, sintetiza.

Também um estudo da Faculdade de Economia da Universidade do Porto e da AD&C revela que o PT2020 terá um "efeito multiplicador da despesa pública”. É estimado que por cada euro gasto de despesa pública total, o PIB aumente em cerca de 4,19 euros a 50 anos. O impacto é superior à média na AML (6,54) e o efeito difere muito de região para região.

O Algarve regista um multiplicador acumulado de 4,09 euros, seguido pelo Norte (4,07), Centro (3,43), Alentejo (3,42) e região autónoma da Madeira (3,18). A região autónoma dos Açores é a que apresenta o multiplicador mais baixo (2,36).

O que esperar do PT2030?

Com os primeiros concursos do PT2030 abertos em março, Portugal dá agora os primeiros passos na implementação do novo quadro comunitário de apoio, com uma aposta reforçada na inovação, emprego e nas transições climática e digital. Para Bruxelas, é altura de Portugal "retomar o caminho da convergência com a UE” e o Governo conta com os novos fundos para "reforçar a capacidade de transformação económica e social do país”.

Mas que impacto concreto pode ter o PT2030 no desenvolvimento do país? Pedro Mazeda Gil diz que ainda é cedo para avaliar e que será necessário fazer análises mais detalhadas ao longo da implementação deste novo quadro. Mas sublinha que "a res

posta para o crescimento sustentado do PIB per capita no longo prazo está sempre na dinâmica da produtividade”.

Já João Bernardo Duarte refere que cada euro pago em fundos do PT2020 "criou 2,40 euros em valor adicionado bruto após três anos”, mas considera que "é possível que o multiplicador para o PT2030 seja menor, pois ele ocorre em simultâneo com o PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]”. "Assumindo que os retornos ao capital sejam decrescentes, é de se esperar que estes multiplicadores sejam menores. Ainda assim, penso que terá impacto elevado sobre a economia”, afirma o investigador. 


O QUE MUDOU EM PORTUGAL COM A IMPLEMENTAÇÃO DO PT2020?

Portugal tem até ao final do ano para absorver a totalidade de verbas a que tem direito com o Portugal 2020. Mas, a pouco mais de meio ano de terminar o prazo, é já possível fazer um balanço aos avanços alcançados com sua a implementação.

43.835

EMPRESAS

Número de empresas apoiadas nos Sistemas de Incentivos, que apoiam a criação ou expansão de empresas com recurso a fundos europeus.

77,5

EMPREGO

Taxa de emprego subiu de 63,5% em 2013 para 77,5% em 2022 e reduziu o risco de pobreza.

721

POBREZA

Milhares de pessoas que deixaram de estar em risco de pobreza.

988

STARTUPS

Número de startups que foram apoiadas até ao final de 2022.

1,68

I&D

Investimento em I&D aumentou em 2022 face a 1,32% do PIB em 2013.

979

EQUIPAMENTOS

Número de equipamentos sociais e de saúde apoiados até 2022.

2,8

AÇÕES DE FORMAÇÃO

Milhões de participantes em ações de formação financiadas pelo PT2020 até ao final de 2022.

109.175

TRABALHADORES APOIADOS

Número de pessoas abrangidas pelos apoios à contratação cofinanciados por fundos da UE, a que acrescem 155.431 pessoas em estágios profissionais.

3,4

DRENAGEM DE ÁGUAS

Milhares de quilómetros de sistemas de drenagem de águas residuais a construir/remodelar.

6%

ESCOLARIDADE

Taxa de abandono escolar caiu em 2022, face a 18,9% em 2013.

34%

RENOVÁVEIS

Peso das renováveis no consumo de energia era de 25% em 2013.


"Ideia de que fundos são para regiões atrasadas tem de ser revisitada”

Conselheiro de Elisa Ferreira defende que os fundos europeus pós-2027 devem pôr fim à exclusão de regiões desenvolvidas do acesso a verbas. E diz que o país "não está a usar bem” o capital recebido com apoio da UE.


AComissão Europeia está a debater o futuro da Política de Coesão pós-2027, de forma a maximizar a eficácia dos fundos no apoio aos Estados-membros. Ao Negócios, o economista Joaquim Oliveira Martins, que é conselheiro da comissária europeia Elisa Ferreira, considera que é preciso rever a ideia de que os fundos europeus devem ser em exclusivo para as regiões com menos PIB ‘per capita’, porque as regiões precisam de uma região mais desenvolvida como "fronteira de eficácia e bom funcionamento” da qual possam também beneficiar. É o caso de Lisboa.

O que explica que existam ainda regiões portuguesas que não conseguem convergir com a média europeia?

A falta de convergência das regiões em Portugal é um problema nacional, mas também está muito concentrado na área metropolitana de Lisboa e Porto. Essas regiões, que são metropolitanas, deveriam ter um desempenho melhor em termos de produtividade, porque têm escala, são economias de aglomeração e deveriam representar uma fronteira de eficácia e bom funcionamento da economia para ajudar o resto do país. Mas isso não tem acontecido.

Porquê?

Há vários motivos. As pessoas veem Lisboa como uma espécie de polo de atração que tem um efeito negativo sobre as outras regiões. Mas a economia regional não deve funcionar assim. Não é o que se passa em Lisboa que vai ter um impacto negativo sobre as outras. Deve haver uma forma de gerir o conjunto numa soma positiva. O que se passa em Lisboa tem um efeito positivo sobre as outras.

Mas a descentralização não pode ser um fator de desenvolvimento?

Pode. Os países que funcionam melhor do ponto de vista do desempenho, produtividade e inovação são países que geralmente têm esse sistema de regiões que funcionam melhor. Mas também há países que têm um bom desempenho a nível nacional e são muito concentrados e dominados por uma só região, como é o caso da Irlanda. Esses efeitos podem ser exponenciais sobre o desempenho económico e a produtividade.

Para onde devem então ser direcionados os fundos europeus em Portugal?

Os fundos estruturais são essencialmente dirigidos às regiões com um nível de PIB ‘per capita’ mais baixo. As regiões que têm níveis ‘per capita’ mais elevados, como a região de Lisboa, são afastadas do acesso a fundos. Mas o problema é que, em termos de funcionamento de um país, todas as regiões – incluindo as mais fracas – precisam de uma fronteira e de uma grande cidade que seja um polo de atração, inovação e que funcione como um efeito de derrame para toda a economia.

E porque é que Portugal não está a conseguir desenvolver-se como um todo?

A aposta não tem estado em setores transacionáveis, que são abertos à concorrência externa. A exposição à concorrência internacional estimula a adoção das melhores práticas e foi hiperimportante nos países de Leste. Mas as empresas em Portugal têm mais interesse em se especializarem em setores abrigados da concorrência internacional, como os serviços. Há ainda outros fatores. Em Portugal há mais PME [pequenas e médias empresas] – e microempresas – do que noutros países. Uma micro ou pequena empresa tipicamente não tem efeitos de escala, a adoção de tecnologia é menor e são menos expostas à internacionalização. Não é, por isso, surpreendente que Portugal tenha problemas de produtividade.

"Lisboa é vista como polo de atração com efeito negativo. Mas a economia regional não deve funcionar assim.”

Olhando por trás, o que mudou em Portugal com ajuda dos fundos europeus?

Os fundos estruturais foram importantes para ajudar Portugal no desafio de integração na economia europeia e global. Dotaram o país de capital que não tinha – capital físico, como infraestruturas, e capital humano, com todo o investimento que se fez em educação. Agora, Portugal tem um nível de infraestruturas de topo e os jovens estão de tal maneira bem formados que vão trabalhar para o estrangeiro, mas o país talvez não esteja a utilizar bem esse capital.

Porque diz isso?

"Uma economia moderna precisa de descentralização.”

Há reformas estruturais que ficaram paradas e têm de continuar, no mercado de trabalho, nas questões de regulação, de reforma do sistema jurídico e na redução de custos de contexto para as empresas. E também a questão da descentralização e da regionalização, que está um pouco emperrada. Não é só uma questão de reorganização territorial. É uma questão de funcionamento económico. Uma economia moderna precisa de uma certa forma de descentralização.

Um sistema que é extremamente centralizado trava esse dinamismo. Em Portugal, a regionalização seria uma forma importante de mobilização.

Partilha da ideia de que o PT2030 poderá ser o último quadro de apoio a que Portugal terá direito?

Depende. Nos ciclos recentes, a questão da não convergência dos países do Sul levou a um redirecionamento dos fundos de Leste para o Sul da Europa. Uma coisa certa é que as pessoas reconhecem a importância da Política de Coesão. Em muitos países, as pessoas que vivem em territórios estagnados não se sentem integradas e têm impressão que o sistema as trata mal. Em eleições, acabam por votar em tendências antissistema. É um descontentamento compreensível, mas não é construtivo.

O debate a nível europeu é para perceber o que fazer para maximizar a eficácia dos fundos?

Sim. Esta ideia de que os fundos são essencialmente dirigidos às regiões mais atrasadas tem de ser revisitada. As regiões mais atrasadas precisam das mais avançadas. Uma política muito separada em termos regionais e que esquece o efeito do conjunto não vai atingir o seu potencial de eficácia. Provavelmente, no próximo ciclo, vai-se tentar ter uma política mais integrada e não ter este problema de Lisboa estar excluída do acesso a fundos estruturais. Se o desempenho de uma região mais desenvolvida num país não for bom, isso vai ter efeitos negativos sobre as outras.


13 Primeiros avisos do PT2030: como pode candidatar-se?

Se antes para aderir chegou a ser preciso submeter as candidaturas à mão, o processo de candidatura a fundos é hoje muito mais simples. E não precisa sequer de sair de casa. Há 13 avisos já abertos.


QUEM PODE ACEDER A FUNDOS EUROPEUS?

Qualquer pessoa singular ou coletiva pode candidatar-se a fundos comunitários. No caso das empresas (sejam elas públicas ou privadas), a candidatura deve ser submetida por um representante legal da organização ou por uma pessoa com competências delegadas para o efeito. Os candidatos devem ter a situação contributiva regularizada e ter uma conta bancária numa instituição bancária a atuar em território nacional.

COMO PODE SER FEITA A CANDIDATURA?

As candidaturas a fundos europeus do PT2030 são feitas através do Balcão dos Fundos, onde pode entrar através do website ou da App disponível para dispositivos móveis. Antes de preencher o formulário de candidatura a um apoio, é necessário fazer um registo na plataforma. Para tal, é-lhe solicitado o preenchimento de vários dados pessoais, como nome completo, NIF e IBAN, bem como dados de atividade (no caso de se tratar de uma empresa) e depois poderá selecionar as operações que lhe interessam, mediante o tipo de apoio a que pretende candidatar-se. O Balcão de Fundos permite ainda cruzar automaticamente dados da pessoa ou entidade que se candidata com os que já foram fornecidos noutras plataformas da Administração Pública, simplificando assim o seu processo de registo e gestão das candidaturas.

ONDE PODE CONSULTAR OS AVISOS DE CONCURSO?

Os avisos de concursos abertos podem ser consultados no Balcão dos Fundos. Aí, pode conhecer também os critérios para acesso a apoios europeus e acompanhar o estado das suas operações. A plataforma permite também ativar notificações automáticas, em função do seu perfil de utilizador, para que esteja sempre a par de novos avisos lançados que possam ser do seu interesse. Caso necessite, é disponibilizado apoio técnico para utilizar esta plataforma, em qualquer fase da candidatura ou do financiamento. O acesso à sua área reservada pode ser feito através da Chave Móvel Digital.

COMO SABER QUE APOIOS SE ADEQUAM MELHOR AO SEU PROJETO?

O PT2030 tem um total de 22.995 milhões de euros que estão divididos em 12 programas: sete regionais (Norte, Centro, Lisboa, Alentejo, Algarve, Madeira e Açores) e quatro temáticos (Inovação e Transição Digital; Ação Climática e Sustentabilidade; Mar; e Demografia, Qualificações e Inclusão). Dentro dessas 12 grandes "gavetas” são abertos avisos com objetivos específicos para apoiar diferentes tipos de beneficiários: empresas, famílias, entidades públicas, universidades, etc. Por exemplo, se pretende candidatar-se a apoio comunitário a projetos de inovação empresarial, deve debruçar-se sobre os concursos referentes aos programas COMPETE 2030 e verificar se o seu projeto de inovação pode encaixar-se noutro(s) dos programas referidos. Caso ainda assim tenha dúvidas sobre o apoio a que se deve candidatar, pode contactar a Linha dos Fundos.

O QUE É A LINHA DOS FUNDOS E COMO ENTRAR EM CONTACTO?

A Linha de Fundos foi criada em 2022 para responder às dúvidas dos candidatos a fundos europeus, do PT2020, PRR e PT2030. A Linha dos Fundos esclarece os candidatos sobre os avisos e operações em curso ou que serão lançados em breve e dá apoio técnico ao Balcão dos Fundos. Pode contactar este serviço por telefone, de forma gratuita, nos dias úteis, através do 800 10 35 10 ou do 00351 300 00 39 87 (custo de chamada para rede fixa nacional – chamadas internacionais), entre as 9h00 e as 18h00. Pode ainda colocar as suas questões por email, através de linhadosfundos@linhadosfundos.pt.

QUE CONCURSOS ESTÃO JÁ ABERTOS?

Ao todo, são 13 os avisos lançados no final de março em áreas que vão desde a saúde à ferrovia e ambiente. Em concreto, o Programa Lisboa 2030 lançou um aviso para

Atualmente, estão já abertos 13 avisos de concurso do PT2030 a que se pode candidatar.

equipamentos hospitalares, os programas regionais Norte, Centro, Alentejo e Algarve abriram candidaturas para cursos técnicos superiores profissionais e foram abertas candidaturas para o apoio a bolsas de doutoramento, no âmbito do programa Pessoas 2030. Foi ainda lançado um aviso para a renovação da Linha de Vendas Novas (que liga as Linhas do Norte e do Alentejo), um aviso com vista à aquisição de "10 automotoras elétricas para as linhas regionais”, avisos na área da assistência técnica e para projetos de proteção e defesa do litoral, com reposição e proteção costeira.

QUE CONCURSOS ESTÃO PREVISTOS PARA BREVE?

Esta quinta-feira deverá juntar-se mais um aviso à lista de 13 inicialmente lançados, que visa apoiar a reinstalação e admissão de migrantes por motivos humanitários. O Governo deverá disponibilizar um calendário de avisos para facilitar a preparação das candidaturas.



Convergência com UE tarda após 40 anos de fundos

Os primeiros avisos do PT2030. Saiba como se pode candidatar Encargos com dívida pública não eram tão baixos desde 2006


Oagravamento dos custos a que Portugal se financia nos mercados ainda não está a ter impacto na despesa do Estado com a dívida pública. O país fechou o ano passado com o menor gasto com juros da dívida desde 2006. É, contudo, esperado que 2022 tenha sido o último ano de poupanças antes da inversão.

"Apesar da gradual e substancial subida das taxas de juro de longo prazo no decorrer do ano passado, impulsionada pelas perspetivas do início de um ciclo alta dos juros pelo BCE para travar a inflação elevada e que se viria a efetivar em 27 de julho, as novas emissões de dívida pública realizadas pelo Estado português em 2022 a taxas de juro substancialmente mais elevadas só têm impacto no montante de juros a pagar ao longo deste ano”, explica Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa.

A despesa do Estado com juros da dívida ficou em 4.687 milhões de euros em 2022, de acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas (INE). O montante representa uma redução de 9,3% face aos 5.170 milhões registados em 2021. Foi o oitavo ano consecutivo de quebra dos custos e o valor mais baixo em 15 anos: em 2006 o custo foi de 4.626 milhões.

A Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública –

IGCP confirma esta tendência: o custo médio do "stock” fixou-se em 1,8% no ano passado, abaixo dos 1,9% de 2021. Esta poupança conseguida ainda acontece apesar de a emissão de nova dívida ter sido mais cara. O custo médio (que já vai em 3,5% em 2023) atingiu no ano passado 1,7%, acima dos 0,6% de 2021 e do mínimo histórico de 0,5% de 2020 .

Este diferencial está relacionado com o desfasamento entre o momento da emissão e o pagamento de juros aos grandes investidores. Os cupões são habitual

mente regularizados a seis ou doze meses, existindo assim alguma margem temporal. Além disso, as novas emissões de dívida realizadas pelo IGCP no ano passado corresponderam a cerca de 5% do total do "stock” de dívida pública de 278,5 mil milhões de euros.

"O efeito é gradual e desfasado, estando a sua continuidade nos próximos anos dependente da evolução da inflação e de outras variáveis macroeconómicas fundamentais da Zona Euro que influenciam diretamente a política monetária do BCE”, refere Paulo Rosa. "Enquanto a inflação permanecer persistentemente elevada, o banco central da Zona Euro deverá continuar comprometido com a alta dos juros, mas tomando todas as medidas necessárias para evitar a fragmentação dos juros da periferia (Mediterrâneo) em relação ao países do centro da Europa, nomeadamente ao core (Alemanha), recorrendo ao mecanismo ‘antifragmentação’ e defendendo a coesão europeia”, antecipa o economista.

Juros e crescimento ajudam a cortar rácio da dívida

A redução do encargo público com o serviço da dívida, a par do crescimento económico, têm ajudado a reduzir o peso do endividamento no produto interno bruto (PIB). Portugal fechou 2022 com uma dívida de 113,9% do PIB, menos 11,5 pontos percentuais do que no ano anterior.

Deste total, 95% – equivalente a 10,9 pontos percentuais – diz respeito a um efeito dinâmico que conjuga tanto juros como crescimento nominal do PIB, mostra o Programa de Estabilidade do Governo. A economia portuguesa expandiu 239.253 milhões de euros, fazendo com que o fardo da dívida seja menos pesado. Para 2023, o ministério das Finanças espera nova redução da dívida para 107,5% do PIB e uma despesa com juros de 6.257 milhões de euros. O fator económico deverá continuar a ajudar nas metas.

Apesar de ser de esperar que a alta dos juros impulsione gradualmente o custo do "stock” em 2023 (quando se começam a refletir as emissões de 2022), invertendo a tendência de queda da última década, "o crescimento do PIB nominal deverá contribuir mais uma vez este ano para outra melhoria significativa do rácio da dívida pública em relação ao PIB nominal”, acrescenta Paulo Rosa.


Despesa com dívida atinge máximo histórico em 2027

Dentro de três anos, a fatura ultrapassa os 8 mil milhões de euros, valor que não era alcançado desde os tempos da troika, mas peso no PIB fica sempre abaixo dos 3%.


As previsões do Governo apontam para que dentro de cinco anos, em 2027, a despesa pública com juros da dívida atinja os 8.535 milhões de euros. É mais do dobro do registo de 2022 e um máximo da série histórica que remonta a 1995.

A projeção que consta do Programa de Estabilidade divulgado na segunda-feira, mostra um aumento constante da despesa com os juros da dívida ficando no final do horizonte de projeção 3,8 mil milhões de euros acima do valor alcançado no final do ano passado, quando a fatura atingiu os 4,7 mil milhões de euros.

A explicar este acréscimo está o "aumento dos custos de financiamento na maioria dos países da área do euro”, esclarece o Governo no Programa de Estabilidade. E exemplifica: "A taxa média da colocação em leilão da OT 0,3%Out2031 aumento de 0,31%, em novembro de 2021, para 3,23%, em outubro de 2022”, lê-se no documento.

Foi durante o período da troika que o valor da fatura com os juros da dívida mais engordou, atingindo os 8,4 mil milhões de euros em 2014, ano em que o país disse adeus à presença constante dos elementos do FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu (BCE). Desde então que o valor foi sempre descendo, aproveitando a política monetária mais "solta” do BCE.

Mas, se em termos nominais a despesa dispara, o mesmo não acontece quando a métrica é o peso desta despesa no PIB. Olhando para este indicador, há uma clara manutenção que oscila no intervalo entre os 2% e os 3%, nunca chegando a atingir esta cifra.

Peso no PIB em valores baixos

A despesa com juros, em termos nominais, dá-nos uma perceção de quanto é o valor pago pelo país no serviço da dívida todos os anos, apesar de ser uma medida secundária quando é feita a avaliação da dívida e da capacidade de um país satisfazer o pagamento aos credores. Aí o que conta é o rácio da dívida em percentagem do produto interno bruto (PIB) que no horizonte da projeção "descerá para níveis inferiores a 100% do PIB já em 2025.

Esta trajetória da dívida, que tem sido um dos trunfos apresentados por Fernando Medina, ficará a dever-se a dois fatores . Por um lado, explica o Ministério das Finanças, "o crescimento nominal do PIB” e, por outro, "a manutenção de excedentes primários médios de 2,7% do PIB”.