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27 março 2023 09h25
Fonte: Público

Crise financeira? “Atentos, críticos, mas não extremamente preocupados”

Crise financeira? “Atentos, críticos, mas não extremamente preocupados”
Francisco Oliveira Fernandes CEO do Banco Carregosa está "bastante tranquilo relativamente à estabilidade do sistema’

Entrevista

Francisco Oliveira Fernandes, presidente do conselho executivo do Banco Carregosa, diz que se aprendeu "extraordinariamente’ com a crise de 2008 e que hoje a regulação bancária criou a 'confiança” necessária ao sistema financeiro. Em entrevista ao Interesse Público, afirma que a regulação no espaço europeu "é mais exigente” do que a aplicada aos bancos regionais americanos.

A falência do Silicon Valley Bank (SVB) foi a mais grave nos Estados Unidos (EUA) desde a crise de 2008. Agora, temos a absorção do Credit Suisse pelo UBS. Estamos a caminhar para uma crise financeira semelhante àde2008?

As situações são distintas, embora tenham alguns vasos comunicantes. A situação actual de fragilidade de alguns bancos regionais nos EUA está essencialmente relacionada com a estrutura de balanços daqueles bancos e, eventualmente, com uma supervisão menos eficaz que incide sobre os bancos de menor dimensão desde 2019 e que reduziu a regulação aplicável e os mecanismos de supervisão sobre estes bancos. A Reserva Federal (Fed) reagiu à inflação com uma rápida subida das taxas de juro que evoluíram de cerca de 0% para próximo de 5% em apenas 12 meses. Ora, as obrigações do Tesouro norte-americano, pelo simples ajuste à nova realidade das taxas de juro, perderam valor de mercado.

Só para dar um exemplo: um título a cinco anos perdeu mais de 10% do seu valor. Por outro lado, um título a 10 anos perdeu no mesmo período mais de 15% do seu valor de mercado. As dificuldades que emergiram no SVB - e também no Signature Bank - são uma típica corrida aos depósitos que são frequentes nos sistemas bancários pouco desenvolvidos. A existência de fundos de garantia de depósitos e bancos centrais servem precisamente para mitigar essa fragilidade dos sistemas bancários.

É sabido que nenhum banco tem capacidade de resistir sozinho a uma corrida aos seus depósitos.

O aumento de juros pela Fed e BCE não está a favorecer uma crise?

Antes pelo contrário. O que se verificou de 2008 em diante foi uma crescente regulação que veio precisamente criar as condições para que a confiança, que é essencial ao sistema financeiro, possa existir. E tendo nós passado por situações tão adversas como passámos nos últimos anos, em que tivemos uma pandemia inesperada, temos uma situação de guerra, estes movimentos de taxas dejuro, e o que observamos é precisamente que, por actuação desse edifício regulatório da actividade da supervisão que é exercida sobre as instituições de crédito, as instituições estão melhor capitalizadas e melhor capacitadas para dar resposta a essas dificuldades.

Desta vez, o risco de contágio dos bancos americanos e de um banco de um país que não é da zona euro será menor?

É minha convicção que a regulação no espaço europeu é mais exigente do que a regulação que estava a ser aplicada aos bancos regionais nos EUA. A partir de 2019, houve alguma evolução nessa matéria e os bancos de menor dimensão passaram a não ter de cumprir com algum tipo de acompanhamento em termos de indicadores de liquidez que hoje se mantêm no espaço europeu e que são um dos elementos importantes de monitorização desse risco das instituições.

As instituições ditas sistémicas nos EUA são objecto de regulação mais apertada do que os bancos regionais e mais próxima daquela que é praticada no espaço europeu. Na Europa, não observamos nos últimos anos nenhuma retirada de regulação. Temos verificado um incremento dessa regulação. E, enquanto gestor de uma instituição de crédito, há que reconhecer que é por força da actuação dessa regulação que se consegue assegurar a estabilidade do sistema financeiro.

Os ministros da zona euro rejeitaram a hipótese de contágio, mas também fizeram o mesmo em 2008.0 cidadão comum fica instável...

É verdade. Às vezes no exercício da coberturajornalística há um tom muito dramatizado, que é compreensível, mas que obviamente tem o efeito negativo de gerar ansiedade nas pessoas. A minha convicção é que, independentemente da situação de cada caso em concreto, o que está hoje a ser imposto às instituições de crédito, sejam as de maior ou menor dimensão, o acompanhamento exercido pela entidade de supervisão, os instrumentos que estão ao dispor dessas entidades no sentido de fazerem o acompanhamento e de imporem determinados comportamentos, leva-me a estar bastante tranquilo relativamente à estabilidade e segurança do sistema.

Aprendeu-se alguma coisa com a crise de 2008?

Aprendeu-se extraordinariamente com a crise de 2008. No caso dos EUA, o que verificámos é que o regulador teve capacidade de encontrar soluções diversas para problemas específicos e aplicou-as em tempo, de maneira que rapidamente restabeleceu a confiança no sistema. O que se verificou agora na Europa, com o Credit Suisse... na última década o Credit Suisse frequentemente surgia nas notícias pelos maus motivos. O negócio do banco revelava pouca capacidade de gerar resultados positivos de forma consistente.

Mas o Credit Suisse fica absorvido pelo UBS... Desapareceu.

Exactamente. Quando digo casamento é no sentido em que aqui o noivo - se quiser, o UBS-não parecia à partida muito interessado neste casamento, mas houve uma pressão política muito forte. Há um preço que é pago de três mil milhões de francos suíços que na verdade limpam 50 mil milhões de responsabilidades do balanço do Credit Suisse, o que é um valor bastante expressivo. Há aqui, como vimos acontecer na realidade portuguesa com o Novo Banco, milhares de milhões que ficam para fazer face a eventuais contingências e que poderão levar a que os contribuintes suíços possam ter de pôr algum dinheiro para assegurar a concretização desta transacção.

Todo este processo traz fantasmas.

Concordo. Acalmou os investidores, mas pode ter feito alguns danos nas estruturas de capital mais subordinadas. Ao criar-se esta situação, criam-se novas realidades que vai ser interessante acompanhar. Desde logo temos neste momento uma instituição

‘too bigtofail”, a combinação do UBS com o Credit Suisse. Mas sem preocupação de ser alarmista, também é preciso ver se depois ela não é "too bigtosave”, na medida em que pesa extraordinariamente na economia suíça.

Mas o que é importante deixar como mensagem clara é que temos uns reguladores extremamente atentos e extremamente habilitados a forçar as soluções que são tidas como adequadas. Isso deve deixar-nos atentos, com certeza, críticos, mas não alarmados e não extremamente preocupados.

António Costa disse que é preciso acelerar a união bancária, tendo em conta tudo isto. É o próximo passo?

A regulação no espaço europeu tem vários pilares. O exercício da supervisão que é feito pelas autoridades nacionais aos bancos de menor dimensão tem uma matriz que é equivalente à que é praticada pela autoridade espanhola em Espanha. Já há um exercício de uma supervisão que é cada vez mais de matriz europeia, homogénea no espaço europeu. O aspecto que está mais atrasado tem que ver com o sistema de garantia dos depósitos comum.