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Descida das taxas de juro força dieta na banca
Cortes do BCE aliviam crédito e afundam taxas dos depósitos
Finanças pessoais Pela terceira vez, o BCE baixa as taxas de referência, ajudando a prestação da casa a descer ainda mais em novembro
O corte de juros do Banco Central Europeu (BCE) vai ditar uma redução da prestação do crédito à habitação, para todos os contratos que renovem já em novembro. O tamanho do alívio vai depender do capital em dívida e do indexante da Euribor (3, 6 ou 12 meses), sendo que a poupança pode superar os €210 por mês para os portugueses que tenham empréstimos de €250 mil indexados à Euribor a 12 meses, segundo as contas da Deco enviadas ao Expresso. Significa que, no acumulado do próximo ano, essas famílias vão pagar menos €2500 ao banco.
As simulações abrangem vários casos. Para quem tem contratos indexados à Euribor a 3 meses, a redução pode variar entre os €28,02 e os €70,05 para empréstimos entre os €100 mil e os €250 mil. Para os que indexaram o contrato à Euribor a 6 meses, a maioria, a poupança oscila entre os €46,89 e os €117,23 mensais, nos mesmos casos.
Até ao final do ano passado, existiam cerca de 1,3 milhões de contratos de crédito à habitação em Portugal, sendo que a grande maioria tinha taxas variáveis, com prevalência da Euribor a 6 meses.
"As famílias, em especial as mais endividadas, com crédito com taxas variáveis já estão e vão sentir algum alívio no valor das suas prestações nas próximas revisões, mas continua a exigir-se prudência na gestão dos seus créditos", diz Natália Nunes, coordenadora do departamento de proteção financeira da Deco.
Com a queda dos juros, o Banco de Portugal já admite rever a taxa de stress sobre o crédito à habitação. Desde outubro do ano passado, os bancos são obrigados a fazer simulações acrescentando 1,5% sobre a taxa de juro contratualizada nos créditos à habitação, para verificar se os clientes terão capacidade de cumprir o crédito caso as taxas subam. Mas se os juros de referência continuarem neste caminho descendente, esse requisito poderá sofrer alterações. No boletim económico divulgado este mês, Mário Centeno avisou que "se existir uma acumulação de risco para o banco ou para os mutuários que sejam contrárias à letra ou objetivo da medida macroprudencial, o Banco de Portugal tem instrumentos para agir”.
Natália Nunes, da Deco, lembra que, em paralelo com o crédito, as últimas decisões do BCE também mexem com os depósitos. "Sabemos que a descida da taxa de juro tem impacto não só na redução do valor da prestação com taxa variável, mas também na redução da remuneração dos depósitos a prazo”, lembra. "Verificamos que à semelhança do que aconteceu com os juros no crédito habitação, o mercado também está a antecipar os cortes das taxas por parte do BCE das remunerações dos depósitos”, acrescenta.
Além disso, a responsável da Deco refere que "as famílias sabem que apesar das descidas das taxas de juro as suas prestações ainda estão muito acima dos valores que pagavam no início de 2022, que os preços em especial dos produtos alimentares subiram drasticamente e que estão a continuar a subir, pelo que se continua a exigir controlo e muita prudência”.
O terceiro corte do BCE
Nada é garantido, mas se a inflação mantiver a sua tendência de queda, as famílias e as empresas terão o alívio que o mercado tem vindo a antecipar.
E com isso, uma poupança no rendimento que foi durante os últimos anos absorvido para para pagar prestações e responder a uma inflação em todas as frentes. Quem tem empréstimos à habitação está a ver a sua prestação cair e isto cria, segundo os economistas António Nogueira Leite e João Duque, um efeito positivo não apenas nas famílias mas também nas empresas, que tendem a ter melhores condições de financiamento. Mas este cenário tem um lado B.
"É de esperar que as taxas dos depósitos continuem a baixar ao longo deste e do próximo ano, mas os bancos parecem ainda querer competir por depósitos, ao que não será alheia a necessidade de terem almofadas de capital e de os certificados de aforros reforçarem a concorrência, dado que foi duplicado o montante máximo de investimento”, diz Filipe Garcia, economista do IMF, ao Expresso, antecipando, contudo, que essa taxa não deverá voltar aos 0%.
Nos depósitos a prazo a um ano as taxas médias passaram de 3,8% em dezembro de 2023 para 2,57% em agosto último. E numa ronda feita pelo Expresso a maioria dos bancos oferece uma taxa bruta a 12 meses inferior a 2,35%. Uma realidade que poderá voltar a tornar os Certificados de Aforro mais atrativos.
Um novo alívio
"Num contexto de arrefecimento das principais economias do centro da Europa, sobretudo a alemã, é bom para as empresas não financeiras, pois irá traduzir-se em melhores condições de financiamento, o mesmo se passando com as famílias que devam aos bancos”, observa António Nogueira Leite.
O incumprimento é um fator importante na equação dos juros e, por isso, "um efeito positivo adicional (corte das taxas) é o de alívio à tesouraria de empresas e particulares, levando a menores probabilidades de incumprimento nos contratos de crédito”, afirma Paulo Pinho, professor da Nova SBE, embora também diga que "dado o atual reduzido nível de malparado não existirá aqui um impacto muito significativo”.
Este alívio, aliado às medidas do Governo para os jovens até aos 35 anos, poderá atrair mais portugueses para o crédito bancário. Filipe Garcia espera "um ligeiro aumento das operações” nos próximos meses, até porque os bancos estão a aderir em força à garantia bancária de 100% do financiamento (ampliando o anterior limite de 90%), como revelou na semana passada Vítor Bento, presidente da Associação Portuguesa de Bancos.
João Duque, economista e presidente do ISEG, afirma ao Expresso que "no que diz respeito a atividade real espera-se que uma descida das taxas de juro tenha um impacto positivo no consumo e no investimento uma vez que torna o custo de capital mais baixo”, e isso "permite aumentar a rentabilidade dos investimentos, torna o crédito ao consumo e ao investimento mais barato e isso acaba por permitir até que investimentos se passem a realizar quando antes, em ambiente de elevadas taxas de juro, os inviabilizava. A poupança passa a ser menos estimulada. Se isso nos levar a aumentarmos o recurso ao financiamento pelos não residentes, então, mais tarde a remuneração dessa poupança escoa-se para fora do espaço nacional e somos nós que ficamos a perder”, remata Duque.
Natália Nunes, da Deco, é cautelosa. "Para as famílias que têm crédito à habitação com taxa variável, os tempos são marcados por algum alívio financeiro até ao final de 2024”, mas "é importante que as famílias não comecem a aliviar a gestão das suas contas”, nota. Afinal, prossegue a economista, "a situação está melhor”, mas "é necessário que sejamos muito responsáveis na forma como gerimos o nosso dinheiro”. "Este é o momento de olharmos para a nossa poupança, e analisarmos alternativas de investimento que possam oferecer maior retorno face à descida das taxas de juro nos produtos bancários tradicionais”, refere Natália Nunes.
O impacto do corte dos juros por parte do BCE não fica por aqui. Os bancos vão passar por um emagrecimento forçado resultante do corte das taxas de referência. As gordas receitas dos bancos estão a desacelerar. "A mais que provável descida das taxas de juro terá, à partida, um impacto negativo nos resultados da banca. Sendo a maior parte do crédito concedida a taxa variável e havendo uma parcela significativa do financiamento por via de depósitos à ordem praticamente não remunerados, a margem entre estes dois produtos irá encolher e este será o efeito com impacto mais importante”, alerta Paulo Pinho.
O professor associado da Nova SBE diz também que além da redução dos resultados do bancos "haverá que ter em conta o efeito positivo que esta descida terá sobre o valor da carteira de dívida pública (a qual pouco impacto terá nos resultados, dado estar maioritariamente contabilizada como detida até à maturidade) e, em menor grau, de aumento do valor de alguns passivos a taxa fixa (obrigações emitidas)”.
Não há bela sem senão. "O efeito conjugado de todos estes fatores aponta para uma redução dos resultados e do valor de mercado dos bancos”, num "percurso inverso ao seguido durante o período de subida das taxas de juro”, conclui Paulo Pinho.
Por seu turno, António Nogueira Leite, professor da Nova SBE, administrador da HipoGes e ex-administrador da CGD, diz ao Expresso que para as empresas estes cortes do BCE "terão impactos a partir dos próximos meses, dependendo dos seus contratos de crédito”, junto dos bancos.
"A descida das prestações com os empréstimos à habitação, bem como as descidas de IRS irão permitir que as famílias aumentem o seu rendimento disponível, o que é uma condição básica para se aumentar a poupança”, sublinha João Duque.
Poupança ou consumo? Mas João Duque adverte que "um aumento de rendimento não significa aumentos imediatos de poupança”. "Isso depende da propensão marginal ao consumo ou a poupança”, refere João Duque, concluindo que "infelizmente a nossa cultura não tem incentivado a poupança. Temo que a maior parte deste rendimento disponível acabe em consumo e, desafortunadamente, em consumo de bens importados”, diz o economista.
António Nogueira Leite, por seu lado, acredita no aumento das poupanças das famílias e nas suas cautelas em contexto de incerteza geopolítica. Mas o quadro já é de queda nas remunerações dos depósitos a prazo, em particular a 12 meses. "Os bancos já estão a reduzir a atratividade dos depósitos como forma de aplicação de poupanças, o que poderá tornar alternativas mais atrativas, não só na carteira de ofertas de produtos de poupança dos bancos mas também na oferta de outras entidades não bancárias”, sinaliza Nogueira Leite.
Neste contexto, Natália Nunes, da Deco, sugere comportamentos como "otimizar o orçamento familiar”, identificando áreas onde é possível eliminar ou diminuir gastos, e tendo "um fundo de emergência”, uma poupança que deve representar no mínimo o correspondente ao valor de seis meses das suas despesas. E, por fim, investir a poupança em diferentes classes de ativos, para reduzir o risco.
"É IMPORTANTE QUE AS FAMÍLIAS NÃO COMECEM A ALIVIAR A GESTÃO DAS SUAS CONTAS”, DIZ NATÁLIA NUNES, DA DECO
Taxas ‘comem’ mais de metade dos juros das obrigações
Emissão de dívida empresarial pode aumentar, mas impostos e comissões levam boa parte da remuneração
Pela segunda vez este ano, o Sporting está à procura de golear também fora dos relvados. A SAD leonina tem em marcha uma emissão de dívida de €30 milhões cuja maturidade termina em 2028. Os investidores, que têm até 31 de outubro para subscrever as obrigações, podem receber uma taxa bruta de 5,25%, mas entre comissões e impostos podem não receber nem metade.
Quem optar pelo investimento mínimo permitido (€2500) receberá, em média, uma taxa líquida de 2,07%, caso invista através da aplicação ou site dos bancos (ao balcão, a remuneração é menor). O Estado arrecada €147 (o valor dos impostos sobre os juros brutos ao longo dos quatro anos do empréstimo) e as comissões oscilam de banco para banco, sendo que há casos em que os custos para o investidor superam os €700.
Neste caso, os juros que o investidor recebe ficam praticamente em linha com a inflação esperada para os próximos dois anos, segundo as projeções do Banco de Portugal. Significa que a remuneração real de quem optar por investir esta quantia é praticamente nula neste período.
Nesta operação "verde e branca”, a remuneração efetiva fica mais atrativa à medida que o investimento ganha volume. Por exemplo, ao aplicar €5000 ou €10.000, os juros a receber sobem para uma média de 3,04% e 3,5%, respetivamente, de acordo com as simulações feitas pelo Expresso no site da CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários).
Nos últimos meses, foram várias as empresas cotadas na bolsa nacional a bater à porta do mercado para emitir dívida junto dos investidores no retalho. Por norma, quanto maior é o juro bruto, maior é a perceção de risco associado. Em junho, foi a SIC que foi à procura de investidores, pagando 5,95% brutos, e desde setembro outras empresas fizeram caminho idêntico, com taxas menores. A construtora Mota-Engil colocou €80 milhões em dívida, com uma finalidade de sustentabilidade, junto de quase 5 mil investidores de retalho, tendo pago um juro bruto de 5%.
Em todas as situações, as comissões e os impostos ‘comem’ mais de metade do retorno contratualizado, principalmente nos investimentos de menor dimensão. No caso da SIC, as taxas podiam ficar com 90% do juro. Neste momento, a emissão de dívida do Sporting SAD 2024-2028 é a única disponível para subscrição das famílias em Portugal.
Por comparação, a taxa média dos depósitos bancários está ligeiramente abaixo dos 2,6% (números de agosto) e, ao contrário destas emissões de dívida, os depósitos têm riscos controlados uma vez que existe um fundo de garantia até €100 mil por depositante.
"É essencial que os investidores [em obrigações] estejam conscientes dos riscos associados, particularmente o risco de crédito e a ausência de garantias semelhantes aos depósitos. A diversificação e uma análise cuidadosa das condições da empresa emissora são fundamentais para gerir esses riscos. Os investidores conservadores devem ponderar se o potencial de retorno justifica o risco adicional”, explica ao Expresso Paulo Monteiro Rosa, economista sénior do Banco Carregosa. O BPI diz, em resposta escrita, que isso "explica a maior rentabilidade típica das emissões de dívida das empresas, pois maior risco está habitualmente associado a maior retorno”.
BCE pode dar uma mão? Com o novo corte de juros por parte do Banco Central Europeu (BCE), o custo de financiamento para as empresas diminui, o que pode fazer com que este tipo de operação aumente nos próximos meses, segundo os especialistas do Banco BPI. "Mas o custo do investimento não é o único fator que releva na decisão de investir”, acrescentam.
Uma redução das taxas do BCE está já a levar a uma queda dos juros dos depósitos em Portugal, o que, na teoria, poderia tornar este tipo de operação mais atrativa. Mas, na prática, pode não ser assim, porque as emissões de dívida das empresas "tendem a seguir o ciclo económico”, diz Paulo Monteiro Rosa. "Para os investidores, as novas emissões de obrigações podem tornar-se menos apelativas, devido aos retornos mais baixos, o que pode levá-los a procurar alternativas de maior risco ou outros ativos mais rentáveis”, acrescenta.
Será o perfil do investidor que vai definir para onde irá o dinheiro. "Para um perfil mais conservador, as obrigações soberanas [dívida dos países] podem ser uma escolha mais segura, enquanto os investidores menos avessos ao risco, procuram maiores retornos, podendo considerar as obrigações corporativas, sobretudo de empresas com balanços financeiros sólidos”, finaliza o economista do Carregosa.