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11 setembro 2023 10h05

Economia alemã trava a fundo no verão. Contágio a Portugal quase inevitável.

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Economia alemã trava a fundo no verão. O que está a gripar o motor europeu?

 

Vista como a superpotência industrial da zona euro, a Alemanha enfrenta quebras de encomendas, custos crescentes na produção industrial, inflação que teima em não descer, confiança em queda em todos os sectores e um ‘decoupling’ agressivo da energia barata russa. A recessão é cada vez mais inevitável, devendo ser o único dos países mais industrializados do mundo a ver o PIB recuar este ano, e as consequências para o bloco europeu e, por arrasto, Portugal podem ser pesadas

 

A economia alemã tem desiludido bastante este ano, perfilando-se como a sónica das mais desenvolvidas do mundo em linha para fechar 2023 com crescimento negativo, pagando a fatura da aposta em energia barata russa. O motor industrial europeu enfrenta perspetivas muito negativas no sector secundário, mas o terciário também já entrou em território de contração, ao passo que a inflação se mantém elevada Para a zona euro - e, em particular, para Portugal - são notícias preocupantes, pelo peso da economia germânica no bloco europeu.

 

Depois de três trimestres sem avanços em cadeia no PIB, a recessão na Alemanha é agora uma realidade evidente. O segundo trimestre deste ano trouxe uma estagnação, o que representou uma melhoria em relação aos recuos de 0,4% no final de 2022 e de 0,1% no primeiro trimestre, mas insuficiente para retirar o país da forte possibilidade de crescimento negativo no total do ano.

 

Os inquéritos de confiança e atividade mostram um cenário ainda mais negativo. Os índices de gestores de compras (PMI) para a indústria há largos meses estavam em terreno de profunda contração e a melhoria de agosto para 39,1 pouco serviu para acalmar os analistas, dado que só os 38,8 do mês anterior ficam abaixo deste valor desde o colapso criado pela pandemia.

 

Do lado dos serviços, cuja menor dependência energética e sensibilidade aos juros vinha ajudando a manter a atividade, o subindicador recuou para terreno de contração pela primeira vez em oito meses, para 47,3. Não é de estranhar, asim, que o indicador composto tenha afundado ainda mais abaixo de 50 (sinalizando uma quebra da atividade), para 446, o valor mais baixo desde maio de 2020.

 

O número de empresas a projetar aumentos da atividade em agosto foi o mesmo das que esperam quebras, com a procura, sobretudo a externa, a quebrar empurrando as perspetivas de emprego para baixo. Por outro lado, os custos voltaram a subir, particularmente na indústria, o que também pressiona as expectativas de preços de venda e deixa antever a possibilidade de nova vaga de inflação.

 

Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, denota precisamente as foiças implícitas que pressionam novamente os preços, nomeadamente do lado da energia. Os combustíveis voltaram a aumentar na Europa, uma realidade à qual a Alemanha não escapa, e o barril de petróleo deve continuar a subir depois de a Arábia Saudita e a Rússia terem confirmado esta semana que irão continuar com os cortes na produção até ao final do ano. Mais, a inflação subjacente estagnou em agosto, mantendo-se elevada, em 55%.

 

"A zona euro é bastante dependente em termos de energia, nomeadamente nos combustíveis fósseis, e tende a ser penalizada na inflação por. essa via. Já o foi em agosto e os números de setembro poderão de novo trazer para cima da mesa a possibilidade de estagflação”, antecipa. Recorde-se que o indicador de preços recuou marginalmente em agosto, de 6,2% para 6,1%, o que iguala a variação homóloga registada em maio.

 

Esta é também a perceção dos agentes económicos alemães, como demonstra o índice Ifo publicado esta semana. O subindicador referente às perspetivas de curto-prazo voltou a recuar, marcando a quarta leitura consecutiva em queda, enquanto o da siuação atual tocou mínimos de agosto de 2020.

 

Do lado da indústria, esta semana ficou-se a saber que a produção do sector continua a cair, um sinal claro de fraca procura. Pelo segundo mês seguido em julho, tanto o indicador homólogo, como em cadeia revelaram quebras de 2,1% e 0,8%, respetivamente, às quais se junta o recuo de U,7% em cadeia nas encomendas às fábricas.

 

Olhando para os valores desde o inicio do ano, o indicador de produção industrial cai 2,1%, ficando 7% abaixo do registado antes da pandemia; nos sectores intensivos em energia, o recuo em relação a 2019 é de 11%.

 

Segundo a análise do banconeerlandês ING, "a economia estagnada após dois trimestres de contração deu esperanças de melhoria, mas a leva de maus dados macro de julho sugere que o risco de recessão é novamente elevado”.

 

"O país parece ter acordado para o facto de ter perdido competitividade internacional na última década, com investimento insuficiente e reformas estruturais quase inexistentes”, lê-se na nota, que fala na "estagnação económica [como] o novo normal”.

 

Para Portugal, a fraqueza clara de um dos seus principais importadores é uma má notícia. O turismo tem ajudado a manter alguma vitalidade na economia nacional, sobretudo face aos problemas industriais na Europa e à deslocalização de alguma procura por destinos no leste europeu para o nosso país, explica Paulo Rosa, mas a quebra de rendimento de um dos principais mercados emissores de turistas pode trazer dificuldades acrescidas no curto-prazo.

 

Além disso, "se a Alemanha contrair os 0,4% previstos pelo Ifo, mais tarde ou mais cedo também vai penalizar a indústria nacional. Por outro lado, à medida que os contratos, por exemplo, no crédito à habitação forem sendo atualizados em alta, o rendimento das famílias vai cair. E ainda há muitos contratos a doze meses com taxas do ano passado, que serão atualizadas em setembro e outubro”, alerta.

 

Apesar da subida violenta de juros, Berlim continua com a desenhar apoios orçamentais, indo contra as recomendações da OCDE e FMI. Olaf Scholz diz não querer prolongar inflação elevada.

 

Preocupado com o peso da inflação nas perspetivas das economias mais desenvolvidas, o Fundo Monetário Internacional (FMI) alerta para a necessidade de manter os efeitos da subida de custos e de juros sob análise, dado o impacto que o seu controlo terá na atividade real, e alerta para as quebras inevitáveis de produto que dai resultarão. No caso alemão, onde a inflação continua demasiado elevada, a velha receita de apoios orçamentais está novamente a ser utilizada, arriscando prolongar ainda mais o fenómeno inflacionista no bloco da moeda única.

 

No seu relatório mais recente de outlook económico global, o Fundo chama a atenção para os "desafios persistentes” que causa a inflação elevada que se tem registado na zona euro, à qual a generalidade das economias mais desenvolvidas não tem escapado. Por outro lado, a OCDE lembra que políticas monetária e orçamentais contraditórias agravam o problema da inflação, obrigando a subidas mais agressivas dos juros durante períodos mais longos.

 

Um dos motores deste fenómeno na zona euro é a Alemanha, onde a inflação teima em não descer às custas de um sector secundário intensivo em energia e ainda se observam os efeitos do ‘decoupling’ agressivo das importações energéticas baratas russas. Outrora o exemplo de uma economia plena de vitalidade e resistente a choques externos, o gigante germânico é agora apontado como "o homem doente da Europa”, arrastando consigo o resto do continente.

 

Depois de anos de subinvestimento e falta de reformas estruturais, o país vê agora expostas as suas fragilidades sistémicas, escreve Carsten Brzeski, economista líder de assuntos macro do banco ING. E, como sucedeu tantas vezes no passado, a receita passa por uma lógica de ‘faz o que eu digo, não faças o que eu faço’: estímulos orçamentais, mesmo quando a zona euro atravessa o aperto monetário mais agressivo da sua história.

 

Estimado em 65 mil milhões de euros, o pacote não chega a 2% do PIB alemão, denota o ING. Este montante (sobretudo se comparado com as ajudas orçamentais durante a pandemia, que chegaram a 15% do PIB) dificilmente significará a inversão da tendência recessiva da economia germânica, especialmente considerando as medidas em detalhe.

 

Além de medidas direcionadas às famílias mais vulneráveis, com o reforço dos abonos de família, reduções nas contribuições para a Segurança Social para quem receber menos de dois mil euros mensais e um apoio extraordinário para pensionistas e estudantes, ficam a faltar políticas-chave do lado da energia, como o limite de preços na eletricidade e no gás. Segundo o chanceler Olaf Scholz, estas ficarão dependentes de um acordo ao nível europeu para taxar lucros excessivos no sector da energia.

 

O chanceler alertou ainda que as medidas não devem agravar a dinâmica inflacionária, mas contrariam diretamente as recomendações de várias instituições internacionais, com o BCE e a OCDE à cabeça, que têm pedido coordenação entre as políticas monetária e orçamental, sob pena de se prolongarem no tempo os efeitos negativos decorrentes da subida de juros.