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14 junho 2024 03h00

Entrevista a Paulo Monteiro Rosa, Economista sénior do Banco Carregosa

Jornal Económico

O economista sénior do Banco Carregosa Paulo Rosa lançou o livro Da grande recessão à guerra na Ucrânia, onde compila mais de 300 artigos escritos nos últimos 15 anos sobre variados temas económicos e financeiros, incluindo no Jornal Económico. Oportunidade para analisar alguns dos principais temas que marcam a atualidade mundial.


O BCE já arrancou com os cortes antes da Fed, um cenário impensável há um ano. A tendência será continuar ou foi só para dar um sinal ao mercado?


Dá um sinal ao mercado. As coisas não estão favoráveis para a Europa. Temos estagnação com inflação, apesar de não ser muito elevada. Ou seja, temos uma estagflação que é o pior que pode haver. Por isso, não me parece que [Christine] Lagarde se atreva a fazer mais nenhum corte, a não ser que a Fed faça cortes. E como é para setembro, ok. Se a Fed fizer em setembro, o dólar poderá ali perder um bocadinho de força. E, então, dá algum alento outra vez para Lagarde apoiar a economia. Caso contrário, com estagflação não me parece que tenha grandes argumentos para continuar a descer as taxas. Até porque temos os grandes falcões, principalmente a Alemanha, que se mantêm renitentes em baixar as taxas de juro. Como são países com muita poupanças estão a ser beneficiados, o problema é esse. Como não temos poupança, não estamos a ser remunerados. No fundo, quem está a pagar esta fatura das taxas elevadas são os países endividados. É o caso dos países periféricos como Portugal.


Agradou assim a gregos e troianos?


Sim. Temos visto no último meio ano, [Mário] Centeno a fazer força. O italiano também a dizer que é preciso começar a cortar as taxas de juro, o grego, o francês... enquanto que o holandês, o austríaco e o alemão não, porque também são países que beneficiam com as taxas mais elevadas, porque remuneram as suas poupanças.


O motor da economia europeia, a Alemanha, está mal...


A Alemanha está cada vez mais com dificuldades e isso é mau para a coesão europeia. É o maior contribuinte líquido e isso vai ter repercussões: onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão. A Alemanha era uma economia que dependia muito da energia barata russa, e também do nuclear. E tudo isto tirou muita competitividade à economia alemã. A indústria automóvel está a ter sérios problemas com a concorrência asiática, nomeadamente a chinesa. A Mercedes e a BWW são marcas globais e têm cada vez mais dificuldades em vender nessas partes do mundo.


Qual foi a pior crise?


A Grande Recessão de 2008/2009. Dois anos de recessão nos Estados Unidos e depois na Europa e em Portugal com a troika. Não foi uma coisa pequena, vai ser lembrado daqui a 100 anos. Portugal é uma economia aberta e muito dependente do que se passa lá fora. Hoje ainda temos estas cicatrizes. A carga fiscal tem subido bastante para suportar o aumento da dívida pública. A nossa carga fiscal é elevada, mas quando comparada com a alemã até nem é assim tão elevada. Pelo caminho, tivemos uma benesse do Mario Draghi a comprar dívida pública e a trazer os juros portugueses para baixo.


Qual o maior risco geopolítico que identifica nos próximos tempos?


Taiwan. É claro que temos a Ucrânia. Nunca se sabe até que ponto a Rússia… o que é que vai na cabeça de [Vladimir] Putin? Parece que é só o Donbass, não parece querer mais, mas é sempre uma surpresa, também disse que não invadia a Ucrânia e invadiu. É muito complicado. Mas porquê Taiwan? Recuando, Deng Xiaoping chegou ao poder em 1978 na China, sucedendo a Mao Tsé-Tung. Apesar de a China só ter entrado em 2001 na Organização Mundial de Comércio (OMC), foi na década de 80 que se começou a fazer o percurso de industrialização, de aumento das exportações e impulso da economia. Shenzen era uma aldeia piscatória e transformou-se num centro tecnológico industrial em 40 anos. Na altura, Xiaoping estipulou um número máximo de mandatos para um presidente chinês [dois, num máximo de 10 anos]. E o poder passou a estar tripartido [poder executivo, forças armadas e partido comunista]. Xi Jinping chega ao poder em 2013 e começa depois a reverter este tipo de política porque acha que o capitalismo avançou demais. Acabou a limitação de mandatos, é assim que consegue estar no terceiro mandato, e passa a ser chefe máximo das Forças Armadas e líder do Partido Comunista. Fica com estes três poderes. Tal como Putin tem um poder ilimitado, Xi Jinping também tem um poder relativamente ilimitado. É por isso que julgo que Taiwan pode ser um risco. Tem a maior fundição do mundo de semicondutores e, por exemplo, a Nvidia está muito dependente de Taiwan, como o resto do mundo. Há tensão entre Taiwan e Pequim e entre Washington e Pequim.