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14 junho 2024 02h50

Europa em queda, mas IA segura EUA

Jornal Económico

PAULO ROSA Economista Sénior do Banco Carregosa


A depreciação e a apreciação de uma moeda têm vantagens e desvantagens. A apreciação mostra a robustez de uma economia e no longo prazo as economias mais resilientes tendem a apresentar valorizações das suas moedas. No entanto, a valorização cambial retira competitividade, mas quase exclusivamente aos setores competitivos via preço. A Alemanha e o Japão no pós 2ª guerra mundial apresentaram simultaneamente fortes crescimentos económicos sustentados por robustos setores exportadores, mas, paradoxalmente, as suas moedas continuaram a apreciar. Este fenómeno ficou conhecido como paradoxo de Kaldor, explicado pela competitividade destas economias via extra-preço, ou seja, sobretudo devido às suas exportações de produtos tecnologicamente maduros e diferenciados. A Dutch Disease corrobora o paradoxo de Kaldor, e a necessidade de uma economia se afastar da competitividade via preço.


A descoberta de recursos significativos de gás natural no Mar do Norte em 1959 trouxe um acréscimo de riqueza à Holanda nos anos seguintes, mas, paradoxalmente, acabaria por redundar numa crise económica, tendo a taxa de desemprego subido de 1% em meados da década de 1960 até aos 15% em 1984. O Reino Unido também experimentou os efeitos negativos deste fenómeno, tendo o impulso dos preços de petróleo na década de 1970, sobretudo após terem quadruplicado no final de 1973, permitido a intensificação da exploração do petróleo no Mar Norte, redundando numa valorização da libra esterlina, diminuindo a competitividade de outras exportações britânicas à medida que os custos salariais aumentavam.


Alguns países produtores de petróleo cujas economias são pouco diversificadas, dependentes da exportação de matériasprimas, assistem a um fenómeno semelhante, a ’maldição dos recursos’, sendo Angola um exemplo, sobretudo devido à volatilidade dos preços dos recursos naturais. Mas não são apenas os recursos naturais, também a dependência de um setor específico pode penalizar no longo prazo. A economia de Taiwan, muito focada no setor dos semicondutores, apresenta vários desafios. A subida salarial no setor dos chips e o aumento da desigualdade de rendimentos, tem resultado na escassez de trabalhadores qualificados noutros setores da economia taiwanesa. De acordo com o modelo das vantagens comparadas de David Ricardo, cada país deve especializar-se na indústria em que possui vantagem comparativa sobre outros países. Mas pode ser um problema para países que exportam principalmente matérias-primas, sobretudo devido à volatilidade dos preços. A especialização e o comércio internacional são fundamentais para o crescimento económico global, mas a diversificação assegura o futuro.


Várias medidas podem ser tomadas para inverter os efeitos nefastos do fenómeno atualmente conhecido por Dutch Disease. Por exemplo, travar a valorização da moeda impulsionada apenas por um setor económico, investindo os ganhos gerados pelas exportações noutros setores. Ou seja, promover o investimento em I&D, na educação e em infraestruturas necessárias ao suporte de áreas de vanguarda e nos avanços tecnológicos, canalizando os recursos do único setor exportador, a maior parte das vezes ligado aos recursos naturais, para os restantes setores económicos, sobretudo os mais atrasados da economia, procurando diversificar a economia. Uma valorização da moeda é favorável, ou seja, não causa dificuldades relevantes à economia como um todo, desde que seja resultado de uma economia sólida, resiliente e diversificada. A Suíça tem uma população altamente qualificada e uma economia diversificada, e há várias décadas que o franco suíço valoriza, corroborando paradoxo de Kaldor.


Há um paralelismo entre a Dutch Disease e o investimento nos mercados financeiros. Uma carteira diversificada geográfica e sectorialmente, diminui o risco, oferecendo no longo prazo retornos mais sólidos. Um portefólio dependente apenas de um setor, de duas ou três ações, ou de uma classe de ativos, pode oferecer retornos muito acima da média durante algum tempo, mas representa um risco considerável, adversidades acrescidas e perdas substanciais no longo prazo. Tal como refere o velho ditado, "não se devem colocar os ovos todos no mesmo cesto”.


A descoberta de ouro no Brasil em 1695 permitiu a Portugal viver folgadamente durante décadas, mas contribui para mais de dois séculos de divergência da economia portuguesa com a Europa, penalizada pela valorização da moeda, subida real dos salários, aumento do consumo de bens importados e eliminação quase total da indústria portuguesa. Os atuais fundos europeus terão o mesmo efeito nefasto que o ouro do Brasil?