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Governo vai tentar baixar dívida até 100% do PIB a tempo das eleições
Tem havido sempre (exceto no ano da pandemia) uma corrida mais esforçada no final de cada ano para puxar para baixo a dívida. Mas chegar aos míticos 100%, um valor que cai bem em Bruxelas e nas agências de rating, é agora a prioridade e tem a grande vantagem de poder ser usado como trunfo eleitoral. Rácio final da dívida de 2023 é revelado a 1 de fevereiro. Campanha eleitoral começa no dia 25.
Desde 2016, com exceção do ano da pandemia (2020, quando as regras do Pacto de Estabilidade para défice e dívida foram suspensas), que o governo socialista (PS) tem conseguido fazer uma corrida acelerada ao máximo, um sprint final nos últimos meses do ano, na redução da dívida pública.
Com isso, os três ministros das Finanças que serviram nos três governos de António Costa (Mário Centeno, João Leão e Fernando Medina) lograram entregar anualmente rácios de endividamento inferiores ao que era assumido como meta orçamental, surpreendendo pela positiva mercados, credores e avaliadores internacionais, como é patente nas ações e nos comentários simpáticos mais recentes de entidades como a Comissão Europeia ou as várias agências de rating. E agora, em 2023, é notório que essa corrida ao corte na dívida não vai ser ser exceção.
De acordo com informações recolhidas pelo Dinheiro Vivo, basta um sprint que permita baixar a dívida pública total nos últimos dois meses deste ano em 5,4 mil milhões de euros e o objetivo dos 100% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023 pode facilmente ser atingido.
O PIB nominal considerado aqui é o valor de 265 mil milhões de euros estimado há 15 dias por Bruxelas.
O objetivo oficial do Governo (vem no Orçamento para 2024 apresentado em outubro) é chegar a 103% do PIB em 2023, mas há sinais encorajadores de que pode ser bastante menos.
Esta semana, o Banco de Portugal (BdP) revelou que no final de outubro, a dívida baixou muito (mensal e homólogo), cotando-se nos 270 422 milhões de euros. Se o PIB da CE estiver certo, dá um rácio de dívida de 102%.
Entre 2022 e 2023, com os números do governo, o País já caía do terceiro para o sexto lugar no ranking dos mais endividados da Europa (onde permaneceu imenso tempo, desde a troika).
Segundo um comparativo com base nos dados da Comissão, à frente de Portugal passam a figurar, por esta ordem, Grécia, Itália, França, Espanha e Bélgica.
O facto de Portugal ter uma dívida ainda muito elevada, mas estar a aproximar-se rapidamente dessa marca simbólica dos 100%, tem dado azo a elogios e a incentivos. Uma das instituições mais ativas nisso tem sido a Comissão Europeia, justamente.
Há dias, Paolo Gentiloni, o comissário europeu da Economia não se conteve e disse, sobre o rácio da dívida nacional, que "apesar de termos ligeiras diferenças [em relação aos números do governo], espero que estejamos errados porque gosto desta meta de ir para menos... posso dizer isto? [risos]... para menos de 100% do PIB, que é o valor que as autoridades portuguesas têm nos seus planos e que nós na CE também temos, mas no caso da projeção portuguesa essa meta é atingida antes de 2025, enquanto na nossa estimativa irá acontecer em 2025". "Juntar o útil ao agradável" Mas, melhor ainda para o PS, a ideia que corre passa por "juntar o útil ao agradável", comenta um responsável financeiro ligado à gestão da dívida.
A ideia que está a ganhar força e que deve ser implementada é poder anunciar esse feito (um rácio de dívida de 100% do PIB ou até abaixo disso) já a 1 de fevereiro, quando o Banco de Portugal, do governador Mário Centeno (a entidade que apura o valor da dívida válida na ótica de Maastricht) anunciar o número oficial.
O mais "agradável", se quisermos insistir no adágio popular, é que esta nova bandeira dos 100% ou menos do peso da dívida cai na perfeição no calendário eleitoral. Virá mesmo a tempo das eleições (10 de março de 2024) e da campanha, que começa a 25 de fevereiro.
O Instituto Nacional de Estatística (INE) divulga a primeira estimativa (rápida) do PIB a 31 de janeiro. No dia seguinte, Centeno pega nesse valor e calcula a primeira estimativa preliminar para o rácio do endividamento.
Este ano, com o governo muito desgastado por uma violenta crise política originada na decisão de António Costa, o primeiro-ministro, em pedir demissão por estar a ser alvo de uma investigação judicial, o PS tem a vida mais complicada até às eleições, mas há fatores que ajudam.
Um deles foi a possibilidade oferecida pelo Presidente da República para a maioria absoluta PS fazer aprovar o Orçamento do Estado de 2024 (OE 2024) ao não dissolver o Parlamento.
Outro é poder agitar bandeiras como esta da dívida abaixo do previsto.
Os principais avaliadores do País (como as agências de rating) têm premiado a forte consolidação orçamental e a redução da dívida além do esperado.
Isso tem-se refletido nas taxas de juro das Obrigações do Tesouro (OT). Num primeiro momento, assistiu-se a uma subida aguda e continuada a partir do ponto em que o Banco Central Europeu (BCE) começou o seu forte aperto monetário contra a inflação (em meados do ano passado).
Mas com a economia do euro a fraquejar, o BCE moderou o tom agressivo a favor de mais aumentos das taxas de juro diretoras. Em cima disto, há o "brilharete" no saldo orçamental português (eventualmente um excedente histórico de 0,8% este ano) e na referida descida da dívida.
Tudo considerado, o facto é que as taxas de juro soberanas de Portugal estão a cair novamente e de forma pronunciada. A taxa a 10 anos (o indicador mais comum de endividamento de longo prazo), que tinha tocado os 3,6% no início de setembro, está agora nos 2,8%, o valor mais baixo desde o início de agosto do ano passado. O sprint A estratégia de esmagar a dívida no fim do ano não é nova, mas desta feita parece ser mais valiosa por causa das eleições de 10 de março e de manter o custo de financiamento da República em níveis decentes para poder alavancar os muitos (alguns grandes) investimentos com fundos europeus, designadamente o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
Na reta final de cada ano (novembro e dezembro), o governo PS de Costa fez sempre sprints, à parte do ano 2020. As reduções da dívida (nominal) foram sempre enormes. E se o PIB nominal ajudar, ou não desiludir e crescer os 9,1% que a CE prevê (ou um pouco mais), mais fácil ainda se torna o objetivo dos 100% de dívida pois aumenta o denominador do rácio.
O histórico desde 2016 fala por si. Cálculos do Dinheiro Vivo (DV) a partir das bases de dados do Banco de Portugal mostram claramente que os executivos de Costa são peritos em corridas finais a baixar a dívida.
No final de 2022, Medina conseguiu cortar 1007 milhões de euros só em novembro e dezembro. Em 2021, foram menos 2008 milhões. Em 2020, não houve sprint, o endividamento aumentou 2309 milhões de euros, mas, nesse ano, o Pacto foi suspenso por causa da pandemia e havia pouca ou nenhuma pressão para cortar na dívida.
Em 2019, estava Centeno nos comandos das Finanças, o corte nos dois últimos meses do ano acedeu a 1725 milhões em 2019. Em 2018, a redução atingiu uns expressivos 6134 milhões. E menos 2393 milhões em 2017. E menos 2165 milhões em 2016 (o primeiro ano completo do governo PS de Costa). Pagar mais cedo Há várias formas de fazer esse esforço final para debelar a dívida.
O Tesouro pode pagar mais cedo OT que só seriam amortizadas daqui a uns anos, fazendo operações de recompra. Com isto, se o Estado não se endividar mais por outras vias, a dívida baixa automaticamente.
Aqui, o esforço é enorme e evidente. No ano passado, segundo contas do DV com recurso a dados do IGCP (a agência que gere a dívida pública portuguesa), o volume de recompras (pagar antes face ao que está contratualizado com os credores) foi de 1,8 mil milhões de euros.
Este ano já vai em mais de 5 mil milhões de euros, cerca do triplo.
Filipe Silva, diretor de Investimentos do Banco Carregosa, explica que "através da operação de recompra Portugal reduz o montante de dívida que tem em Obrigações do Tesouro, diminuindo as necessidades de financiamento nos prazos mais curtos, podendo assim gerir de uma forma mais tranquila o prazo nas próximas emissões que vier a realizar".
Outra via é usar os depósitos (poupança, fundos de tesouraria do Estado e outros entes públicos) para pagar aos credores. Foi o que aconteceu de forma emblemática em outubro.
Com base nos dados do Banco de Portugal, o Governo fez o maior corte da dívida pública de sempre entre setembro e outubro. Abateu-se 9504 milhões de euros à dívida, com recurso a quase 11 mil milhões de euros em depósitos. A diferença reflete um aumento ligeiro de outras formas de endividamento.
Portanto, recorrendo integralmente à almofada de liquidez, às poupanças (depósitos), o Estado pagou aos credores e não teve, por isso, de ir aos mercados endividar-se mais. A maior dívida do ano foi saldada justamente em outubro.
O BdP explica que, "em outubro de 2023, a dívida pública, na ótica de Maastricht, diminuiu 9,5 mil milhões de euros, para 270,4 mil milhões de euros", descida que refletiu "o decréscimo dos títulos de dívida (-9,1 mil milhões de euros), principalmente por via da amortização de uma Obrigação do Tesouro, originalmente emitida em junho de 2008", no tempo do outro governo PS, de José Sócrates.