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25 março 2024 12h35

Medina deixa Finanças com maior excedente da democracia portuguesa

Exame

Só Mário Centeno tinha conseguido deixar as contas públicas com excedente orçamental, na história recente. Inflação deu a mão a Medina no lado da receita, mais do que compensando pressão do aumento de juros do BCE. 

 

Portugal registou um saldo positivo de 3,2 mil milhões de euros (1,2% do PIB) nas contas públicas de 2023, confirmando o primeiro excedente orçamental desde 2019 e o terceiro desde o 25 de Abril de 1974, segundo os dados divulgados esta manhã pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
 
 
O valor supera as estimativas feitas pelo, até agora, ministro das Finanças, Fernando Medina, que apontava para um excedente de 0,8% no mesmo ano. O antigo presidente da Câmara Municipal de Lisboa deixa assim uma folga orçamental para o seu sucessor, que será conhecido ainda esta semana.
 
 
O mesmo documento do INE mostra que o País foi capaz de aumentar as receitas totais em 9% – mais 9,5 mil milhões de euros face ao ano anterior – impulsionada sobretudo pela receita corrente, muito influenciada pela atividade económica, mercado de trabalho e inflação.
 
 
Do lado da despesa, regista-se um aumento de 5,2% (mais 5,6 mil milhões de euros). O INE destaca dois eventos que justificam esta subida: aumento das remunerações dos funcionários públicos (+7,6%) e da despesa com juros decorrente da política monetária do Banco Central Europeu (+23,3%).
 
 
Este é o valor que diz respeito à contabilidade nacional, que foi remetido para Bruxelas no âmbito do procedimento dos défices excessivos. Como explica o INE, a contabilidade pública obedece a uma ótica de caixa, registando-se todas as despesas pagas no período contabilístico; enquanto que contabilidade nacional, registam-se os encargos assumidos num determinado período contabilístico, independentemente do seu pagamento ocorrer noutro período, e excluem-se pagamentos respeitantes a encargos assumidos noutros períodos.
 
 
Este valor de 1,2% do PIB supera o próprio otimismo das previsões do Governo, que foram sendo revistas em alta com o passar do tempo. Em outubro de 2022, quando apresentou o Orçamento do Estado para 2023, Medina previa um défice de 0,9% para 2023.
 
 
Em comunicado, as Finanças dizem que este resultado acima do esperado reflete "um melhor desempenho da economia, do emprego e dos salários, o que permitiu um aumento de receita contributiva e fiscal superior ao previsto em 1135 milhões de euros”. "É fruto das boas políticas públicas, que promoveram o crescimento económico, o emprego e a melhoria dos rendimentos”, diz Fernando Medina, na mesma nota.
 
 
O INE confirmou também o que já se sabia: a dívida pública fica abaixo dos 100% do PIB pela primeira vez desde a crise de dívida que afetou sobretudo os países do sul da Europa desde 2010.
 
 
Em 2023, o valor fixou-se nos 99,1% do PIB, que representa uma redução de 13,3 pontos percentuais face ao apresentado em 2022. Ainda assim, fica ligeiramente acima do previsto pelo Banco de Portugal há algumas semanas, que apontava para os 98,7%.
 
 
Em termos totais, a dívida pública diminuiu 9,3 mil milhões de euros, para 263,1 mil milhões de euros, refletindo "a redução de títulos de dívida de curto e de longo prazo (-4,2 mil milhões de euros e -11,0 mil milhões de euros, respetivamente), de certificados do Tesouro (-4,2 mil milhões de euros) e de empréstimos (-3,1 mil milhões de euros). Em sentido contrário, destacaram-se as emissões líquidas positivas de certificados de aforro (14,4 mil milhões de euros)”, explica o regulador bancário.
 
 
Quase metade de toda a dívida emitida por Portugal está nas mãos de estrangeiros (42%), sendo que o Banco de Portugal detém 26% e os bancos comerciais 11%. Já a dívida que é detida pelas famílias aumentou em 2023 para os 17% – face aos 13% do ano anterior – devido, sobretudo, à subscrição de certificados de aforro na primeira metade do ano.
 
 
Mais de metade (51%) da dívida nacional emitida tem um prazo superior a cinco anos e 23% vence no prazo de um ano.
 
 
O brilharete obtido nas contas públicas pelo Executivo cessante, deixa o próximo ministro das Finanças com uma missão espinhosa pela frente. Se por um lado, fica com uma margem confortável para gastos adicionais ou para fazer face a algum acontecimento extraordinário; por outro, fazer menos do que o antecessor em matéria de contas certas, será sempre visto um trabalho menos bem conseguido nessa matéria.
 
 
Da mesma forma, e tendo em atenção as reivindicações de várias classes de funcionários públicos e os últimos resultados eleitorais, a façanha de Medina poderá vir a estar debaixo de fogo no debate político. Isto porque este excedente, a célebre "folga” nas contas públicas, poderia ter sido parcialmente utilizada para resolver algumas questões mais prementes na sociedade portuguesa.
 
 
À Lusa, João Borges de Assunção, coordenador do NECEP — Católica-Lisbon Forecasting Lab, alerta que no Orçamento de Estado para 2024 (OE2023) "foram incluídos aumentos de despesas permanentes bastante elevados” e "poderá haver em 2024 uma evolução mais desfavorável para as contas públicas”, com o processo de desinflação em curso "a aumentar as despesas nominais de forma mais rápida que as receitas de impostos”.
 
 
Também o diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, Pedro Braz Teixeira, considera que se trata "de uma vantagem mais aparente do que real para 2024”, já que "a consolidação orçamental nos últimos anos tem sido muito deficiente, com compressão da despesa em vez de redução da despesa por via de reformas”.
 
 
A economia portuguesa cresceu 2,3% em 2023, segundo o INE, mesmo que o motor económico da Europa, a Alemanha, esteja a ter dificuldades.
 
 
Numa nota, o economista Paulo Rosa, do Banco Carregosa, diz que "apesar da conjuntura desfavorável em muitos países membros da Zona Euro, sobretudo do maior motor da economia europeia, a Alemanha, a economia portuguesa poderá continuar a apresentar um crescimento favorável, impulsionada pela desaceleração da inflação, um suporte ao consumo, e pelo PRR, um importante apoio ao investimento”.