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22 novembro 2024 01h15

Juros de conveniência e petróleo

Juros de conveniência e petróleo

Os juros de conveniência, como o próprio nome indicia, representam o benefício, a utilidade, a vantagem de ter um ativo disponível de imediato. É um conceito aplicado sobretudo à negociação de mercadorias (commodities), representando o valor adicional atribuído à posse física imediata de um ativo, em comparação com o compromisso de o receber no futuro, como acontece noutros contratos futuros. Enquanto um contrato futuro, por exemplo sobre um índice acionista, considera fatores como os dividendos (quando aplicáveis) e os juros associados ao empréstimo necessário para adquirir o contrato – refletindo o custo de oportunidade de não imobilizar o capital na compra direta do ativo subjacente –, os juros de conveniência capturam a utilidade e o benefício direto de obter o ativo de imediato.

 

 

Este benefício pode ser particularmente importante em situações de escassez ou em mercados com elevada volatilidade, onde a posse imediata de um bem oferece vantagens estratégicas, como maior flexibilidade operacional, redução de incertezas de entrega ou cobertura de riscos associados a flutuações de preço. Nos mercados de mercadorias, como petróleo, metais industriais e preciosos, produtos agrícolas (sobretudo cereais), a posse física de um bem pode garantir a continuidade das atividades industriais em períodos de elevada procura ou disrupções nas cadeias de abastecimento.

 

 

Em termos financeiros, os juros de conveniência desempenham um papel fundamental na determinação da diferença entre o preço spot (à vista, ou seja, o preço atual) e o preço dos contratos futuros. Esta relação é influenciada por fatores como os custos de armazenamento e seguros, a taxa de juro sem risco (que reflete o custo de oportunidade do capital, tal como num contrato futuro de um índice acionista) e pela conveniência (o tal benefício) de ter o ativo disponível de imediato. Este benefício é o que os juros de conveniência procuram quantificar.

 

 

Quando os juros de conveniência são elevados, o preço à vista tende a ser superior ao preço futuro, resultando numa curva [de declive negativo] de preços em que as cotações para os contratos de prazos mais curtos são mais altas do que as dos contratos com prazos mais longos. Este fenómeno é conhecido como backwardation nos mercados financeiros e geralmente ocorre em cenários de elevada procura, escassez de oferta ou quando existe um forte valor associado à posse imediata do ativo. Pelo contrário, quando os juros de conveniência são baixos ou mesmo inexistentes, o preço spot de uma mercadoria e as cotações nos prazos mais curtos são inferiores aos preços dos prazos mais longos [uma curva com inclinação positiva], refletindo essencialmente os custos de armazenamento (muito baixos) e os custos financeiros associados à taxa de juro. Este cenário é denominado contango, caracterizando mercados onde não há benefício significativo em deter o ativo fisicamente, sendo preferível mantêlo "armazenado debaixo do solo”.

 

 

A fórmula para calcular o preço teórico de um contrato futuro de uma mercadoria é , onde "F” é o preço teórico de um contrato futuro de um barril de petróleo brent, "S” é o preço atual, "e” é a função exponencial (número de Euler), "r” é a taxa de juro, "c” os custos com armazenamento e seguros, "y” os juros de conveniência, e "t” é o tempo.

 

 

No dia 18 de novembro, o preço à vista do Brent para entrega em janeiro foi de 73,08 dólares/barril, enquanto o contrato futuro para entrega em fevereiro cotou a 72,81 dólares. Dada uma taxa de juro (SOFR) de 4,60%, e custos de armazenamento e seguros de 2%, então o rendimento de conveniência (y) foi de 11,04%, reorganizando a fórmula original em função de "y”, ou seja, . Então, y=0,046+0,02-ln(72,81/73,08)/0,0833, sendo y=11,04%, taxa anualizada.

 

 

Este valor reflete o benefício adicional percebido pelo mercado de possuir fisicamente o petróleo Brent em vez de deter o contrato futuro a um mês, um cenário de backwardation, em que há perceção de escassez. Por outro lado, num cenário de contango, geralmente associado à abundância de petróleo (seja por excesso de oferta ou diminuição da procura, como durante uma recessão económica), o contrato para fevereiro, ao ser cotado por hipótese a 73,30 dólares, um valor mais alto que o spot de 73,08, apresentaria um rendimento de conveniência de 2,99%. Se a cotação fosse ainda mais elevada, de 73,48 dólares, esse rendimento seria praticamente nulo, em torno de 0,05%. Já com uma cotação de 73,49 dólares, o rendimento de conveniência seria negativo, indicando que seria mais vantajoso manter o petróleo armazenado no subsolo. Em suma, o rendimento de conveniência representa os benefícios percebidos pelos investidores por deterem fisicamente uma mercadoria. Em backwardation esse rendimento é elevado devido à escassez da mercadoria física, mas em contango, caracterizado por excesso de oferta e fraca procura, é reduzido ou mesmo negativo. Por isso, o rendimento de conveniência é subtraído no cálculo, já que reflete um benefício.

 

 

PAULO MONTEIRO ROSA, Economista Sénior do Banco Carregosa