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31 janeiro 2025 04h20
Fonte: Expresso

Mercados esfregam as mãos com mais cortes de juros

Mercados esfregam as mãos com mais cortes de juros

Ambiente de taxas mais baixas pode beneficiar mercado de ações e baixar custos das empresas

Depois de um ano com uma trajetória descendente dos juros na zona euro, os mercados esperam que as condições de financiamento continuem a melhorar em 2025, ano em que se prevê que o Banco Central Europeu (BCE) concretize pelo menos quatro cortes de taxas. Além dos benefícios para quem tem créditos, existe também um panorama mais favorável para o financiamento das empresas.

Juros dos bancos centrais mais baixos representam também menor atratividade dos produtos de investimento ligados à poupança, o que pode criar um incentivo a uma maior exposição a produtos mais arriscados no mercado de capitais. Em 2022, com a guerra na Ucrânia a rebentar e a inflação a eclodir, o BCE e restantes bancos centrais começaram a subir os juros (com quatro aumentos a partir de julho), levando os maiores índices mundiais ao tapete: nos Estados Unidos, o S&P 500 desvalorizou-se 19,4% e, na Europa, o Stoxx 600 caiu 10,5%. No ano seguinte, apesar de a política restritiva se ter mantido, as ações conseguiram recuperar, mantendo a trajetória ascendente em 2024, quando os juros começaram novamente a descer.

No ano passado, os dados mostram que o valor das operações de entradas em Bolsa quase duplicou na Europa, para os €8,1 mil milhões, face ao ano anterior. E, a nível global, dos 10 maiores IPO (oferta pública inicial, em português) quatro tiveram lugar na Europa, explica Isabel Ucha, presidente executiva da Euronext Lisbon, a dona da Bolsa portuguesa, ao Expresso.

"Esta aceleração foi contemporânea com um desempenho positivo dos principais índices de ações e também com a inversão da política monetária do BCE, com quatro reduções de taxas de juro de referência desde junho. Taxas de juro mais baixas incentivam um maior investimento e crescimento, bem como melhores resultados nas empresas”, diz. E olha com otimismo para 2025: "O ano está a começar num contexto financeiro progressivamente mais favorável à concretização de mais IPO na Europa.”

Um cenário de taxas mais baixas tende a promover também mais operações de emissão de dívida das empresas junto ao mercado, explicam os especialistas ouvidos pelo Expresso. Em Portugal, no ano passado, várias cotadas foram procurar financiamento junto dos investidores, como o grupo CUF, a SIC, a Vista Alegre ou a Greenvolt.

"Verificamos que a queda das taxas de juro que se tem vindo a registar nos últimos meses é, sem dúvida, uma boa notícia para as empresas e para os Governos, uma vez que permite que estes se financiem a uma taxa mais reduzida”, começa por explicar ao Expresso Pedro Barata, gestor do GNB Portugal Ações, o fundo mais rentável de ações em 2023 em Portugal, detido pelo Novo Banco. "Essa realidade tem feito com que as instituições tenham voltado com mais vontade ao mercado, de forma não só a financiar os investimentos necessários, potenciando o crescimento, mas também refinanciando dívida mais antiga, que foi financiada no passado a taxas mais elevadas”, adianta.

Juros dos bancos centrais, das obrigações soberanas, das dívidas empresariais: taxas há muitas, estão todas inter-relacionadas e podem mexer com a carteira dos cidadãos e das empresas. Sempre que um banco central corta os juros, o objetivo é injetar liquidez na economia, provocando uma queda na remuneração dos depósitos a prazo. Mas cai também o custo do financiamento, tanto para cidadãos como para empresas. Existe um efeito direto ainda no mercado de dívida. Por exemplo, os juros das obrigações soberanas, títulos de dívida dos países, tendem a cair.

E neste contexto de retornos mais baixos para os investidores podem brilhar as ações. "A manter-se esta trajetória nas taxas de juro, é natural que o mercado acionista possa ser um dos beneficiados”, lembra Pedro Barata.

"Os investidores tendem a procurar produtos que ofereçam melhores retornos, uma vez que os ativos de baixo risco, como depósitos a prazo e obrigações soberanas, passam a oferecer rendimentos menos atrativos. Assim, produtos como ações, obrigações empresariais e imobiliário destacam-se”, diz Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa, lembrando que também os dividendos se tornam "mais interessantes”. Mas, adverte, "a escolha ideal dependerá sempre do perfil de risco e dos objetivos do investidor”.

Entre 2012 e 2022, uma década em que os juros na zona euro estiveram ou nos 0% ou abaixo disso, o Stoxx 600 valorizou em oito anos, tendo conseguido obter retornos durante cinco anos seguidos (2012-2015), um recorde desde a sua criação, em 1986. E na maioria dos países europeus as taxas da dívida soberana atingiram valores negativos. Na Alemanha, a referência para a região, os juros chegaram aos -0,4%. E, já após recuperar da crise da dívida, o Estado português chegou a emitir dívida com juros negativos, em janeiro de 2021.

Agora não passa pelos planos do BCE voltar aos juros negativos. O objetivo é encontrar um nível a rondar os 2%, que permita manter a inflação controlada, ao mesmo tempo que tenta dar impulso ao crescimento das economias.

Gonçalo Almeida