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14 fevereiro 2025 01h05

Milei, China e Europa também disputam capitais

Milei, China e Europa também disputam capitais

Nos últimos anos, os mercados financeiros têm sido dominados por uma forte e crescente concentração do investimento nas bolsas dos EUA, sobretudo nas gigantes tecnológicas ‘Magnificent 7’. No entanto, alguns sinais de mudança parecem começar a surgir. Reforçando um possível reposicionamento global dos mercados, a Argentina, sob a influência de um líder disruptivo como Javier Milei, promete influenciar o panorama económico da América Latina, enquanto a China procura recuperar o crescimento robusto do período pré-pandemia, intensificando as políticas expansionistas, e na Europa os setores de infraestruturas e defesa ganham peso. O capital é atraído por quem o valoriza. Argentina, China e Europa poderão estar a sinalizar uma inversão da tendência de concentração do investimento nas bolsas norte-americanas dos últimos anos?


A evolução económica da Argentina sob a liderança de Javier Milei pode representar um verdadeiro game changer na política da América Latina, com impacto direto nos mercados financeiros. No ano passado, as visíveis melhorias na economia argentina impulsionaram o principal índice da Bolsa de Buenos Aires, o S&P MERVAL, que registou uma notável valorização de 114% em dólares, embora desde o início deste ano esteja a sofrer uma correção natural e até saudável de 17%, possibilitando a entrada de novos investidores no mercado. Nos próximos dezoito meses, vários países relevantes da região irão a votos, nomeadamente o Chile em novembro de 2025, o Peru em abril de 2026, a Colômbia em maio de 2026 e o Brasil em outubro de 2026. À medida que essas eleições se aproximam, cresce a probabilidade de uma mudança significativa na América Latina em direção a uma posição eventualmente mais favorável ao capital no espectro político. Milei, como liberal convicto, defende o livre mercado e rejeita o protecionismo, um crítico das políticas intervencionistas e subsídios estatais. Se esta tendência se consolidar e Milei tiver sucesso, os mercados emergentes poderão beneficiar de um reposicionamento, favorecendo países que adotem políticas mais abertas ao investimento e ao comércio internacional. Nesse contexto, é provável que os investidores repatriem capital, sustentando a recuperação das moedas e obrigações, sobretudo soberanas, da América Latina.


Mas uma eventual reversão da concentração do investimento em ações dos EUA não se limita à América Latina. Do outro lado do globo, a China mostra que ainda não perdeu a capacidade de surpreender. Nos últimos 12 meses, as ações chinesas têm valorizado, embora, como evidencia o ETF iShares China Large-Cap (onde Alibaba, Tencent, Meituan, China Construction Bank, Xiaomi, Banco Industrial e Comercial da China, JD.Com, Banco da China, Trip.Com e NetEase representam 60% do fundo), ainda só tenham recuperado metade das perdas sofridas desde janeiro de 2021. O dinamismo do setor tecnológico, impulsionado pelo lançamento do DeepSeek, tem sido um dos fatores de atração para os investidores. Ainda esta semana, a fabricante chinesa de carros elétricos BYD anunciou um investimento significativo em tecnologia de condução autónoma através de uma parceria com a startup de IA DeepSeek, reforçando a posição da China na vanguarda da tecnologia, a par dos EUA – não apenas no setor automóvel, sobretudo elétricos, mas também na IA. Desde o início do ano, a BYD ganha quase 30%, em máximo histórico, enquanto a Tesla perde 13%. Paralelamente, o governo chinês aposta numa flexibilização monetária mais enérgica e numa política orçamental expansionista, refletida por um défice fiscal de 4% em 2024 e por um aumento da dívida pública para 86% do PIB.


Este reposicionamento ocorre num contexto em que a segurança nacional e o crescimento económico começam a ser priorizados globalmente em detrimento de preocupações ambientais de longo prazo. A economia passou a ser a prioridade, parecendo ter relegado o ESG para segundo plano.


Assim, a ascensão de Milei na América Latina, a recuperação das ações chinesas, os máximos históricos das ações europeias e do ouro evidenciam uma eventual mudança nos mercados financeiros globais. Até há poucos meses, a perceção dominante era de que as ações das empresas norte-americanas, em particular as tecnológicas, continuariam a ser o único destino seguro e rentável para o capital. No entanto, desde meados de janeiro, as obrigações do Tesouro dos EUA têm valorizado, enquanto a dívida e as ações da América Latina apresentam um desempenho favorável. A valorização das ações chinesas ao longo dos últimos 12 meses e os sucessivos recordes nas bolsas europeias reforçam este eventual novo paradigma, refletido nos máximos históricos do DAX, do Stoxx 600 e do FTSE 100 de Londres, enquanto o CAC 40 de Paris está a apenas 2% do seu máximo de sempre. De forma gradual, mas evidente, os investidores começam a olhar para novas alternativas. A concentração de investimentos nas ações dos EUA poderá estar a dar lugar a uma nova fase de diversificação global. 


Paulo Monteiro Rosa, Economista Sénior do Banco Carregosa