Voltar
07 fevereiro 2025 12h05

Porque Portugal não tem energia nuclear?

A energia nuclear em Portugal teve um momento decisivo em 1976, quando o governo ponderou a construção de uma central nuclear em Peniche para reduzir a dependência energética do país. Esta ideia ganhou força após a crise petrolífera de 1973, agravada pelo segundo choque petrolífero em 1979. No entanto, o projeto teve uma forte oposição popular e política, acabando por ser arquivado. Desde então, Portugal nunca avançou com centrais nucleares, optando progressivamente por fontes renováveis, reforçando na energia hidroelétrica e, a partir da década de 1990, apostando gradualmente na energia eólica e solar. Apesar disso, o país teve um reator nuclear de investigação em Sacavém, inaugurado em 1961 e que permaneceu em funcionamento até 2006.


Atualmente, Portugal continua fortemente dependente dos combustíveis fósseis. Em 2023, o petróleo e o gás natural representavam 66% da matriz energética primária e, apesar do crescimento das energias renováveis, estas correspondiam a apenas 16%, distribuídas entre hídrica (5,4%) e eólica, solar e geotérmica (10,3%). Além disso, os biocombustíveis e resíduos representavam 18,3%, mas incluem a queima de biomassa e a incineração de resíduos, processos que também libertam CO2. As energias renováveis são essenciais para a descarbonização, mas enfrentam desafios. A eólica e a solar são intermitentes, dependentes das condições meteorológicas, exigindo sistemas de armazenamento ainda insuficientes à escala necessária. Já a hídrica é mais estável, mas limitada pela disponibilidade de água e pela localização das barragens, podendo criar constrangimentos na distribuição elétrica. Neste contexto, torna-se evidente a necessidade de uma fonte de energia estável (baseload), que não dependa de combustíveis fósseis. As opções tradicionais, como petróleo e gás, são poluentes, enquanto as renováveis ainda não garantem um fornecimento contínuo. A energia nuclear surge, assim, como uma solução viável, assegurando eletricidade limpa e sem emissões de CO2, independentemente do clima. Com novas tecnologias como os Pequenos Reatores Modulares (Small Modular Reactors, SMRs) e os Reatores de Sais Fundidos, a energia nuclear pode tornar-se ainda mais segura e viável economicamente. Estas inovações reduzem significativamente os custos de construção, afastando o monopólio natural associado às grandes centrais convencionais. Além disso, os reatores de sais fundidos podem reutilizar resíduos radioativos de urânio e plutónio, ajudando a mitigar o problema do lixo nuclear.


Para garantir um futuro energético sustentável e seguro, Portugal deve continuar a apostar nas renováveis, mas também considerar a energia nuclear como uma opção complementar, capaz de fornecer uma base estável ao sistema energético e reduzir a dependência dos combustíveis fósseis. Embora a energia nuclear não emita CO2 na geração de eletricidade e assegure um fornecimento constante e fiável, as centrais tradicionais têm sido criticadas pelos elevados custos de construção, riscos de acidentes e pela gestão de resíduos radioativos. No entanto, novas tecnologias estão a transformar o setor, tornando-o mais económico e seguro. Os SMRs prometem revolucionar a indústria ao reduzir significativamente os custos fixos e o tempo de construção. Ao contrário dos reatores convencionais, os SMRs podem ser fabricados em série e transportados para o local de instalação, aumentando a eficiência e a flexibilidade. Além disso, são projetados para eliminar a necessidade de sistemas externos de arrefecimento, como os que falharam em Fukushima, minimizando o risco de acidentes. Outra inovação promissora são os Reatores de Sais Fundidos, que utilizam sal líquido em vez de água pressurizada. Esta tecnologia elimina o risco de explosões de vapor, opera a temperaturas mais elevadas e em baixa pressão, tornando-se mais eficiente e segura. O tório (Th-232) surge também como uma alternativa ao urânio, uma vez que é três vezes mais abundante na crosta terrestre e pode ser convertido em urânio-233 (U-233), um combustível fissível. Os reatores a tório geram menos resíduos de longa duração e apresentam um menor risco de proliferação nuclear, pois o seu subproduto não é facilmente utilizável na produção de armas. Com estas inovações, a energia nuclear pode tornar-se mais acessível e segura, desempenhando um papel crucial na transição energética. Embora Portugal aposte exclusivamente nas renováveis, a necessidade de uma fonte estável e de energia mais abundante e acessível para atrair indústria estrangeira pode reabrir o debate sobre o nuclear. No futuro, a combinação de renováveis, armazenamento avançado e um nuclear moderno – baseado em SMRs, sais fundidos e tório – poderá eliminar a dependência dos combustíveis fósseis. Enquanto as renováveis lideram a expansão da energia limpa, a nuclear assegura uma base estável, reforçando a segurança energética. Empresas como Microsoft, Google e Amazon já investem em SMRs para alimentar os seus data centers, tal como a TerraPower, de Bill Gates. Todavia, em Portugal, a resistência ao nuclear mantém-se por razões ideológicas e financeiras.

 

Paulo Monteiro Rosa, Economista Sénior do Banco Carregosa, para o Jornal Vida Económica