PAULO ROSA
O euro tem sido muito importante na construção europeia. A criação da moeda única europeia, em janeiro de 1999, foi marcada por algum ceticismo dos investidores quanto à sua sobrevivência, mas a introdução física de moedas e notas em janeiro de 2002, distinguida pela fácil aceitação da população e dos restantes agentes económicos, afastou quaisquer dúvidas dos intervenientes no mercado. Desde o início de 2002 até meados de 2008, o euro beneficiou de ventos favoráveis, tendo quase duplicado de valor face ao dólar, valorizando de 0,85 no início de 2002 até 1,60 em meados de 2008, tendo o dólar perdido quase metade do seu valor face à moeda única nesse período. A perceção de uma crescente e firme coesão entre os vários países membros da Zona Euro contraiu os spreads entre os rendimentos das obrigações soberanas dos vários países membros, sobretudo das economias mais frágeis como Portugal, Espanha, Grécia e Itália relativamente à Alemanha, impulsionando a cotação da moeda única.
No entanto, a resposta assimétrica das autoridades da Zona Euro à Grande Recessão de 2008/09, tendo cada país membro adotado políticas isoladas na mitigação da considerável contração económica, afetou irremediavelmente a perceção de coesão europeia tal como a conhecemos, culminando na consequente crise das dívidas soberanas da Zona Euro, seguida da depreciação do euro face ao dólar ao longo da década de 2010. Em outubro de 2022, o euro valia apenas 95 cêntimos de dólar, uma descida de 40% relativamente ao máximo histórico em meados de 2008, quando um euro comprava 1,60 dólares.
Mas o principal cimento agregador europeu é o crescimento económico, assegurando uma maior coesão europeia, capaz de evitar no longo prazo a desintegração. Sem crescimento, a paz no velho continente estará cada vez mais ameaçada. "Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”.
Desta forma, nos últimos dois anos, a depreciação da moeda única tem sido agravada pelo fraco crescimento da economia europeia. Também a liderança europeia no processo de transição energética (uma variável inflacionista, representando igualmente perda de competitividade) e a perceção dos investidores da intensificação dessa postura no pós-pandemia, a par do empenho na segurança energética ditado pela invasão russa da Ucrânia (uma variável igualmente inflacionista e penalizadora do crescimento económico no curto prazo) prejudicou o euro. Finalmente, a reação mais tardia do BCE relativamente à Fed dos EUA no que toca à inflação mais elevada dos últimos 40 anos, tendo o BCE subido os juros cinco meses mais tarde que o seu congénere norte-americano, penalizou também o euro, castigado pelo aumento do diferencial das taxas de juro a favor da moeda norteamericana. Aquando do primeiro aumento da taxa de juro de referência do BCE em 50 pontos base de 0% para 0,50% em 27 de julho de 2022, as Fed Funds Rate já tinham aumentado 225 pontos base desde a primeira alta no dia 16 de março de 2022, fixando-se em 2,50%.
O fraco crescimento da economia europeia, cada vez mais aquém da riqueza produzida nos EUA, é uma das principais ameaças à evolução favorável do euro nos próximos anos. Em 2000, o PIB real da Zona Euro era de 10 biliões de dólares, ou seja, cerca de 73% do PIB norte-americano a preços constantes, de 13,75 biliões de dólares. Em 2023, a economia em volume da Zona Euro fixou-se em 14,1 biliões de dólares, enquanto o PIB real dos EUA alcançou os 22 biliões de dólares, representando a economia da Zona Euro apenas 64% da norteamericana. A economia alemã correspondia a 27% da economia dos EUA em 1970, mas em 2022 representava apenas 17%.
A balança corrente mais favorável da Zona Euro relativamente à dos EUA, um argumento bastante positivo para uma suposta apreciação do euro face ao dólar, não tem sido suficiente para compensar a crescente fragilidade da economia da Zona Euro (com crescimentos do PIB cada vez mais residuais). O crescimento económico norte-americano, bem acima do europeu, mais do que compensa o défice da balança corrente dos EUA (balança comercial de bens e serviços acrescida das balanças primária e secundária). Um saldo negativo das contas externas dos EUA, à volta de 3% nos últimos 15 anos, mesmo com o excedente da balança corrente da Zona Euro em torno de 2% há quase 15 anos, é compensado pelo resiliente crescimento económico norte-americano, tendo suportado o dólar.
No entanto, igualmente a economia dos EUA enfrenta várias ameaças, sendo uma delas o crescimento mais robusto das economias emergentes, sobretudo chinesa, mas também indiana. Outro sinal de gradual dificuldade da economia dos EUA nas próximas décadas é o crescente aumento do rácio da sua dívida pública face ao seu PIB nominal, atualmente em máximo histórico, acima de 120%. Na Zona Euro subiu dos 70% para 90% em 2008 e aí tem permanecido, sendo favorável ao euro. Mas se a economia dos EUA perde gradualmente a sua hegemonia global, essa tendência tem-se agravado ainda mais para a Europa. O PIB real da União Europeia foi de 16,7 biliões de dólares em 2022, 93% do PIB da China nesse mesmo ano.