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31 março 2023 17h00
Fonte: Exame

Vale a pena entrar na corrida aos dividendos?

Vale a pena entrar na corrida aos dividendos?
A subida das taxas de juro tornou os depósitos bancários, os certificados de aforro e as obrigações mais atrativos. Mas continuam a existir taxas de rentabilidade dos dividendos bastante elevadas na bolsa nacional e noutras partes do mundo

Nos últimos anos, as taxas de rentabilidade dos dividendos batiam, de longe, a remuneração oferecida pelas obrigações portuguesas a dez anos. Isso era um argumento que poderia favorecer o investimento em ações. No entanto, desde o início do ano passado, os juros não têm parado de subir devido às decisões agressivas dos bancos centrais para controlarem a inflação. Apesar de ainda existirem cotadas em que o peso do dividendo no valor das ações indicie retornos elevados, esta classe de ativos começou a ter a concorrência cada vez mais apertada das obrigações e mesmo de produtos de capital garantido, como certificados de aforro e depósitos bancários.

A evolução das rendibilidades dos títulos de dívida foi rápida. A taxa da dívida portuguesa a dez anos, por exemplo, passou de 0,5% para 3,23%, desde o início de 2022, enquanto a das seguras obrigações alemãs aumentou de uns negativos -0,12% para 2,38%. Mesmo as aplicações que garantem a totalidade do capital investido – como certificados de aforro e depósitos – têm melhorado de forma significativa as remunerações oferecidas. No caso daquele produto de dívida do Estado, a taxa para as novas subscrições já está no limite máximo de 3,5%. Já a banca, após alguma relutância, iniciou a subida de juros nos depósitos, sendo possível encontrar já várias aplicações com uma remuneração acima de 2%.

Assim, surge a questão. Uma estratégia de investimento em ações, que tenha os dividendos como um dos seus pilares, continua a fazer sentido? A resposta poderia ser "sim, mas…”. João Queiroz, head of trading do Banco Carregosa, reconhece que "após os anos de 2021 e 2022, pouco rentáveis para as obrigações, atualmente esta classe de ativos poderá ser interessante e complementar as estratégias e investimento combinados com ações e fundos de investimento; embora os depósitos e os instrumentos de curto prazo, como bilhetes do tesouro, possam constituir também oportunidades de aforro perante uma inflação persistente”. Já a gestora de ativos Allianz Global Investors (AGI) considera que a história, apesar de não se repetir, nos pode dar lições valiosas. O que ela nos revela? Que "os dividendos podem adicionar mais estabilidade a um portefólio, já que existe uma tendência das empresas em manter pagamentos estáveis”, responde essa instituição.

Se olharmos para a bolsa portuguesa, há várias cotadas que já indicaram a sua proposta de dividendo para este ano, em que a taxa de rentabilidade dessa remuneração – tendo como base as cotações de 21 de março – fica acima do retorno a dez anos da dívida pública nacional. São os casos da NOS, Navigator, Semapa, REN, Sonae e EDP, por exemplo. Mas os especialistas fazem alertas. "Uma estratégia, baseada apenas em dividendos, é perigosa”, adverte Carlos Rodrigues. O presidente da Maxyield realça que "não podemos ignorar a fiscalidade aplicável e o processo de correção em baixa das cotações com o pagamento dos dividendos” e defende que a estratégia de investimento tem de envolver outros fatores que não apenas o dividendo.

O GRANDE DIVIDENDO E O BOM DIVIDENDO

Há várias formas de se entrar na caça ao dividendo. Mas nem todas as estratégias são certeiras. Pamela Macedo, analista sénior da Casa de Investimentos, explica que há quem compre empresas com elevadas taxas de rentabilidade dos dividendos, procurando cotadas que tenham esse indicador acima do de ativos alternativos, como obrigações. O problema, refere a especialista, é que "sob esta abordagem, os investidores procuram elevados retornos provenientes de dividendos sem ter em consideração a qualidade subjacente do negócio”. Outra estratégia popular, detalha Pamela Macedo, passa por "investir em grandes empresas multinacionais que pagam dividendos”. Neste ponto, acrescenta, "os investidores procuram comprar nomes de empresas estabelecidas que têm um forte histórico de crescimento de lucros e dividendos”.

Apesar de a caça ao dividendo poder ser popular junto de alguns investidores, a analista da Casa de Investimentos defende que há cuidados a ter. "Elevados retornos de dividendos podem muitas vezes ser um sinal de potenciais problemas”, salienta. Isto porque, como este indicador mede o peso do dividendo face à cotação da ação, se esta desvalorizar muito a taxa de rentabilidade aumenta, não significando isso que a empresa tenha qualidade e capacidade para manter essa remuneração no futuro. Para evitar surpresas desse tipo, João Queiroz destaca a que se olhe para "cotadas com resistência na geração de ‘fluxos libertos de caixa’, equilibrada alavancagem e rentabilidade dos investimentos realizados”.

Na mente dos investidores deve estar ainda o facto de que os dividendos não são garantidos. São recorrentes os casos de empresas que devido a imprevistos ou a evoluções negativas do negócio têm de reduzir ou mesmo suspender o dividendo. Segundo os dados da AGI, em 2020, devido à incerteza causada pela pandemia, a proporção de empresas do Stoxx 600 a pagar dividendos caiu de mais de 90% para pouco mais de 70%. Já nos EUA, segundo dados da instituição financeira Schwab citados por Pamela Macedo, "68 das cerca de 380 empresas que distribuem dividendos do S&P 500 suspenderam ou cortaram as suas distribuições”. Assim, a analista recomenda: "Os investidores que procuram rendimento devem ter em consideração o histórico de pagamento da empresa, a robustez do seu balanço e as projeções de resultados, antes de tomarem uma decisão de investimento.”

Apesar de existirem indícios de que os dividendos têm um efeito estabilizador na carteira de investimento, esse argumento acabou por ser contrariado em 2020 e também na crise financeira de 2008. Pamela Macedo conclui que "ao contrário dos cupões previsíveis em obrigações de grande qualidade, os dividendos não são garantidos e podem ser consumidos por uma eventual perda no capital investido”. Assim, entrar na caça a estas remunerações propostas pelas cotadas deverá depender sempre do perfil e dos objetivos do investidor. E 

Estratégias de investimento

Os dividendos não devem ser o único indicador para investir numa empresa, alertam os especialistas

10,1%

NOS

A operadora vai pagar um dividendo de €0,43 por ação, o que corresponde a uma rentabilidade de 10,1%, tendo em conta o valor de mercado a 21 de março

8,5%

Navigator

Taxa de rentabilidade do dividendo de €0,2812 por ação

7%

Semapa

A empresa propôs um dividendo de €0,95, que tem um peso de 7% no valor da ação

5,1%

Galp

A petrolífera tem um dividendo de €0,52 por ação, que lhe confere uma rentabilidade de 5,1%.

Mas a empresa já pagou metade desse valor no final do ano passado

OS MERCADOS COM OS DIVIDENDOS MAIS ATRATIVOS

Portugal caiu para o meio da tabela dos mercados com taxas de rentabilidade dos dividendos mais altas. As maiores empresas do PSI apresentaram um indicador médio próximo de 4%, no final do ano passado

> BRASIL

O mercado brasileiro tem a maior taxa de rentabilidade do dividendo ao nível global, segundo cálculos da Allianz Global Investors (AGI), baseados em dados de final de 2022. As maiores cotadas do país, que tem uma taxa de referência definida pelo banco central de 13,75%, distribuem dividendos correspondentes a 14% do valor das suas ações. Já a gestora Janus Henderson destacou que as ações brasileiras pagaram dividendos históricos, devido sobretudo ao aumento da remuneração distribuída pela petrolífera Petrobras, que passou a ser a segunda cotada mundial que mais dinheiro entrega aos acionistas.

> AUSTRÁLIA

A taxa de rentabilidade do dividendo estimada pela AGI é de cerca de 5%. Ainda assim, o valor total distribuído pelas cotadas do país, no ano passado, desceu ligeiramente face ao anterior, devido ao ano menos favorável para o setor mineiro. No entanto, ao nível mundial, a empresa que mais dinheiro dá aos acionistas continua nesse mercado. Trata-se da BHP, que distribuiu, em 2022, cerca de 24 mil milhões de dólares.

> ITÁLIA

O aumento dos dividendos pagos pela banca e o reinício da distribuição de dinheiro aos acionistas, por parte da empresa de infraestruturas Atlantia, levaram a que a bolsa do país tivesse a maior taxa de rentabilidade do dividendo entre as pares europeias. Esse indicador situa-se em perto de 5%.

> NORUEGA

Os altos preços do petróleo permitiram à Equinor aumentar de forma significativa a remuneração aos acionistas, o que elevou a taxa de rentabilidade do dividendo, neste mercado, para mais de 4%.

> TAIWAN, ISRAEL E ÁUSTRIA

Estes são os outros mercados que, com base em dados de final de 2022, tinham uma taxa de rentabilidade do dividendo acima de 4%. Portugal já esteve no topo desse ranking, mas a valorização das ações, nos últimos dois anos, fez baixar esse indicador para menos de 4%, posicionando a bolsa nacional no meio da tabela da AGI.

"Os investidores devem ter em consideração o histórico de pagamento da empresa, a robustez do balanço e as projeções de resultados”

Pamela Macedo

Analista sénior da Casa de Investimentos