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29 November 2024 01h20
Source: Vida Económica

EUA: A Divergência entre Gás Natural e Petróleo

EUA: A Divergência entre Gás Natural e Petróleo

 

O petróleo bruto e o gás natural são commodities energéticas que apresentam, logicamente, uma elevada correlação. Teoricamente, numa base de energia equivalente, os preços do petróleo bruto e do gás natural têm uma proporção de 6 unidades de gás natural por cada unidade de petróleo. Na prática, um barril de petróleo representa cerca de 5,8 MMBtu (milhões de unidades térmicas britânicas) de energia, o que equivale aproximadamente a 1,7 MWh. É importante notar que 1 MMBtu corresponde a 293 kWh, ou seja, 1 MWh equivale a 3,41 MMBtu. Frequentemente, o gás natural é extraído como um subproduto ou como gás associado à produção de petróleo. Isto ocorre porque ambos os recursos são hidrocarbonetos, muitas vezes presentes juntos nas mesmas formações geológicas.

 

 

No entanto, devido às características específicas de cada mercado, o preço do petróleo tem sido negociado historicamente entre 8 a 12 vezes a cotação do gás natural desde 1980, ou até antes. Contudo, este rácio tem registado aumentos significativos nos últimos 15 anos, atingindo um máximo histórico de 53,5 vezes em 2012. Apesar desta tendência de aumento, verificam-se quedas pontuais em períodos específicos, dependendo das condições do mercado. Em fevereiro de 2024, o rácio entre o preço do petróleo bruto (WTI) e a cotação do gás natural (Henry Hub) nos EUA voltou a alcançar 52 vezes, muito próximo do recorde de abril de 2012, quando o gás natural cotou a 1,95 dólares/ MMBtu, enquanto o WTI negociou a 104,20 dólares por barril.

 

 

A partir da Grande Recessão de 2008/2009, a quota de produção de gás natural associada à exploração de petróleo começou a diminuir relativamente à produção de gás não associado, acompanhando o aumento da exploração de gás de xisto. Este gás, incrustado em formações rochosas, passou a ser extraído a custos cada vez mais baixos graças a tecnologias como a fraturação hidráulica (fracking). Esta técnica tornou-se progressivamente mais viável economicamente, permitindo a comercialização do gás extraído com esta técnica a preços cada vez mais competitivos.

 

 

O padrão histórico de 8 a 12 vezes começou a aumentar em 2009, impulsionado pelo crescimento da produção doméstica de gás de xisto nos EUA, reduzindo os preços do gás natural. Ao mesmo tempo, a escalada de eventos geopolíticos na região MENA (Médio Oriente e Norte de África) acrescentou um prémio de risco aos preços globais do petróleo bruto, devido aos crescentes receios de agudização das tensões nessa região.

 

 

O gás natural norte-americano não tem a estrutura de mercado global como o petróleo bruto, sendo o gás natural dos EUA um mercado mais regional. O WTI (West Texas Intermediate), embora também seja uma referência regional, está interligado ao mercado global de petróleo, sobretudo ao Brent, a principal referência internacional. Isto permite arbitragem, utilizando pipelines e petroleiros capazes de uma distribuição global, quando os preços justificam.

 

 

Por outro lado, o gás natural enfrenta desafios logísticos mais complexos. Contudo, com os avanços tecnológicos de liquefação, transporte e regaseificação, o GNL (gás natural liquefeito) têm possibilitado uma maior integração do gás natural dos EUA no mercado global, evoluindo progressivamente para uma commodity de alcance internacional e aumentando cabalmente a sua capacidade de exportação. Com isso, o gás natural tende a deixar de ser uma energia com forte base regional, para, no futuro, ser cada vez mais influenciado por outras referências, como o TTF holandês, o gás natural da Nigéria, do Qatar e da Rússia. O petróleo, por outro lado, é há muitas décadas uma commodity com drivers de procura global, e, juntamente com o ouro, é negociado como uma proteção contra a inflação e contra o enfraquecimento do dólar americano.

 

 

O GNL é uma tecnologia relativamente recente que pode transformar o gás natural numa verdadeira mercadoria energética global. Atualmente, o preço do gás natural Henry Hub nos EUA é de 3,30 dólares/ MMBtu, equivalendo a 11,25 dólares por MWh (10,71 euros). Comparativamente, o gás TTF holandês, referência europeia, é quase cinco vezes mais caro. Mesmo considerando custos de liquefação, transporte, seguros, regaseificação e armazenamento, estimados entre 3 a 4 dólares/MMBtu, ou seja, de 10,24 dólares (9,75 euros) ou 13,65 dólares (13 euros) por MWh, o preço total do GNL norteamericano na Europa seria entre 20,46 a 23,71 euros/MWh, ainda muito abaixo da cotação atual de 48 euros/MWh do TTF holandês. Além disso, o gás russo colocado na fronteira alemã cotava no final de outubro a 12,78 dólares/MMBtu (43,60 dólares/MWh, ou 41,52 euros/MWh), quase o dobro do custo do GNL norteamericano entregue na Europa. É por isso que a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tem defendido o aumento das importações de gás natural mais barato vindo dos EUA.

 

 

Paulo Monteiro Rosa, Economista Sénior do Banco Carregosa