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27 December 2024 12h30
Source: ECO

O ano em que (quase) todos os caminhos vão dar à geopolítica

O ano em que (quase) todos os caminhos vão dar à geopolítica

Nos últimos anos, a economia e as bolsas globais aguentaram vários choques. Em 2025 deverão continuar a ser colocadas â prova, num cenário de elevado risco geopolítico e em que a eleição de Donald Trump traz muitas incertezas ao comércio internacional. Apesar de toda a imprevisibilidade, a política monetária menos restritiva poderá dar algum apoio ao crescimento e aos mercados financeiros.

 

 

Por vezes, durante o curso da História passam-se décadas em que parece que pouco se passou de relevante. Mas há períodos de poucos anos que parecem décadas, parafraseando uma citação que costuma ser atribuída a Lenine. Atualmente, o mundo aparenta passar por um desses ciclos em que se carregou no botão do fost forward da fita do tempo, tal a sucessão de crises e acontecimentos de alto impacto.

 

 

De facto, desde o início de 2020, a economia, os mercados financeiros, os decisores políticos, as empresas e as famílias têm sido confrontados com uma série quase ininterrupta de tempestades, desde guerras a pandemias, passando também por ciclos históricos de subida da inflação e das taxas de juro. A sucessão de choques pode não ficar por aqui, já que os dados estão lançados para que 2025 seja um ano de riscos geopolíticos significativos.

 

 

Apesar de todos aqueles fortes impactos, a economia e os mercados financeiros globais têm conseguido suster o embate, mostrando sinais de resistência. Há um ano, quando se projetavam os fatores que poderiam marcar o ano de 2024, o risco de recessão era bastante real. Até agora, esse cenário foi evitado. Aliás, no último diagnóstico que fez à economia global, o Fundo Monetário Internacional (FMI) previa estabilidade no crescimento global, apontando para um crescimento de 3,2% em 2025, igual ao esperado para 2024.

 

 

Porém, há desequilíbrios. Mário Carvalho Fernandes, chief investment ofíicer do Banco Carregosa, realça que "este crescimento médio esconde grandes divergências entre regiões e setores, uma vez que o dinamismo da economia americana e o setor dos serviços a nível global têm sido os impulsionadores da expansão da economia, em oposição à letargia registada no setor industrial e nos outros blocos económicos”.

 

 

Também as bolsas mundiais conseguem acumular um saldo positivo, apesar de todos os desafios dos últimos anos. O índice que mede o desempenho das ações globais regista uma valorização de cerca de 17%. Mais uma vez, o motor de crescimento veio da maior economia do mundo, com as cotadas ligadas à Inteligência Artificial ( IA) entre os principais destaques.

 

 

O sentimento positivo nos mercados financeiros globais foi apoiado pela descida da inflação, o que permitiu aos bancos centrais começarem a cortar juros, cenário que se deverá manter em 2025. "A inflação tem vindo a apresentar uma tendência de desagravamento, aproximando-se dos níveis pretendidos pelos bancos centrais das principais economias desenvolvidas”, observa Mário Carvalho Fernandes. O responsável do Banco Carregosa considera que "esta evolução deverá permitir que as autoridades monetárias prossigam o alívio das taxas de juro, deixando de atuar como um travão ao crescimento económico".

 

 

Para a Zona Euro, o consenso do mercado aponta para que o Banco Central Europeu (BCE) termine o próximo ano com a taxa de depósito em 2%. Já nos EUA, as previsões são de que a Reserva Federal chegue ao final do próximo ano com a taxa dos fundos federais no intervalo de entre 3,50% e 3,75%. No final de novembro, os juros de referência estavam em 3,25% na Zona Euro e entre 4,50% e 4,75% na maior economia do mundo.

 

 

No entanto, mesmo com o apoio nos últimos meses de uma política monetária menos restritiva, dada a dimensão dos embates dos últimos anos, a resistência da economia e das bolsas mundiais até pode ser um pouco surpreendente. A grande questão é se essas tempestades deixaram brechas que podem tornar-se mais visíveis caso se verifiquem novos choques. 0 BCE, por exemplo, avisou no seu mais recente Relatório de Estabilidade Financeira, que existem "muitas vulnerabilidades num ambiente volátil”.

 

 

A autoridade monetária alertou que o crescimento continua frágil, que os mercados financeiros estão vulneráveis a correções súbitas devido às suas elevadas valorizações e que as preocupações sobre o comércio internacional iriam aumentar a incerteza geopolítica. Assim, a instituição liderada por Christine Lagarde advertiu que "a incerteza política, os fracos fundamentos orçamentais em alguns países e o baixo potencial de crescimento aumentam as preocupações sobre a sustentabilidade da dívida pública”.

 

 

De olhos na Casa Branca

 

 

O risco geopolítico teve um peso importante na atividade económica e nos mercados financeiros nos últimos anos. 0 mundo aparenta estar mais perigoso e imprevisível. E em 2025, tendo em conta a vitória de Donald Trump nas presidenciais americanas, é bastante provável que a incerteza aumente. Além disso, a guerra motivada pela invasão russa da Ucrânia tem dado recentemente sinais de poder escalar e, no Médio Oriente, Israel continua a atacar Gaza, adensando cada vez mais as tensões com o Irão.

 

 

"É razoável admitir que os problemas geopolíticos irão ter um papel mais relevante na evolução dos mercados e das principais economias, no decurso do próximo ano”, refere Virgílio Garcia. Nesse sentido, o partner da gestora Sixty Degrees realça que "tendo em conta os conflitos armados, os estímulos fiscais a implementar, as tarifas anunciadas sobre uma boa parte do comércio internacional e as restrições aos fluxos migratórios, é possível que o mercado esteja a ser demasiado agressivo ao descontar um cenário de inflação e yields mais benigno”.

 

 

A juntar a toda a imprevisibilidade já existente, os agentes económicos e os investidores terão de perceber ainda como se desenrolará a sequela de Donald Trump na Casa Branca. O republicano regressará ao poder a 20 de janeiro e deverá passar à ação uma política protecionista, assente em taxas aduaneiras de entre 10% a 20% às importações americanas de produtos vindos da União Europeia e de até 60% em bens oriundos da China. Caso os EUA apliquem este tipo de medidas, é expectável que tenham resposta por parte dos outros blocos económicos.

 

 

Paula Carvalho, economista-chefe do BPI, salienta que as "potenciais maiores restrições ao comércio internacional, via a imposição ou o agravamento de tarifas aduaneiras ou outras eventuais restrições, poderão ter repercussões sobre a inflação dos países desenvolvidos, atrasando o processo de relaxamento da política monetária (sobretudo nos EUA), e ser desfavoráveis sobre o crescimento (embora estes sejam mais incertos)".

 

 

Ainda antes das eleições americanas, alguns bancos de investimento fizeram as contas aos potenciais impactos da doutrina Trump no comércio internacional. O Goldman Sachs, por exemplo, projetava que a introdução de tarifas de 10% "poderia fazer baixar o PIB da Zona Euro em cerca de 1%, com a maior parte dos efeitos negativos na Alemanha, dada a sua maior abertura e dependência da atividade industrial".

 

 

A ameaça de danos causados por uma guerra comercial surge numa fase em que os líderes europeus tentam encontrar um antídoto contra a perda de competitividade da economia da União Europeia. Esse tem sido um dos grandes calcanhares de Aquiles da região, resultando em crescimentos bem mais tímidos que os de outros blocos económicos, como os EUA, por exemplo. Para piorar as perspectivas da economia do Velho Continente, a locomotiva germânica travou a fundo e tem mostrado dificuldades em recuperar a potência. "O crescimento tem sido anémico em grande parte da Europa, com a economia alemã, em particular, confrontada com ventos contrários cíclicos e estruturais", notam os especialistas do BNP Paribas Asset Management, numa nota a investidores.

 

 

Economia portuguesa com sinais positivos

 

 

Apesar da fragilidade sentida no crescimento europeu, a economia portuguesa até vive uma fase relativamente positiva. Mesmo sendo muito dependente da evolução da atividade nos maiores países do Velho Continente, o país tem conseguido crescer acima da média do bloco nos últimos anos. "Portugal está a atravessar um bom momento cíclico e estrutural, sendo um dos países da UE que mais cresceu desde o pré-Covid”, salienta Paula Carvalho. A economista-chefe do BPI realça ainda que esse "tem sido um crescimento equilibrado pois verifica-se que os principais sinais de desequilíbrios têm vindo a esbater-se, nomeada mente, temos menos dívida pública, menos dívida externa, as empresas e famílias estão menos alavancadas (em termos relativos, face ao PIB e ao rendimento disponível)".

 

 

Esta evolução tem sido recompensada pelos mercados financeiros no mercado de dívida, já que a taxa de rentabilidade exigida para deter dívida portuguesa a dez anos era, no final de novembro, bem mais baixa que a pedida a países como Itália, França e Espanha. Além do desempenho ao nível macroeconómico, Paula Carvalho nota também que "em termos micro, o tecido empresarial também parece mais dinâmico e resiliente, à procura de novos mercados, mais diversificados; as empresas estão também menos alavancadas, mais rentáveis, aparentemente mais resilientes”. Assim, conclui a economista-chefe do BPI, "tudo isto justifica que se antecipe que o bom momento se deva prolongar, havendo na nossa perspetiva, justificação para esperar que o crescimento se mantenha acima da UEM [União Económica e Monetária] em 2025 e nos anos seguintes”.

 

 

Contudo, apesar desta maior resiliência da economia nacional, a economista ressalva que "Portugal é uma pequena economia bastante aberta e, portanto, exposta ao exterior, dependente da procura externa para o seu crescimento”. Assim, "num contexto internacional mais protecionista Portugal poderá sofrer naturalmente algumas repercussões".

 

 

Além do contexto internacional mais difícil, também há focos internos de incerteza. Como a negociação recente do Orçamento do Estado para 2025 deixou bem demonstrado, o atual governo minoritário de Luís Montenegro não dispõe de grande margem de manobra e não há garantias de que sensivelmente daqui a um ano, um eventual chumbo da proposta orçamental para 2026 crie uma nova crise política. "A incerteza nunca é algo positivo para os investidores e agentes eco nó micos, em geral", constata Virgílio Garcia. E exemplifica: "Um quadro fiscal incerto e volátil reduz a atratividade desse mercado. Não saber, por exemplo, qual vai ser a taxa de IRC com que devemos contar para os próximos anos, impede uma avaliação correta das empresas.”

 

 

Como os investidores se posicionam para 2025

 

 

Os analistas e economistas esperam que em 2025 seja principalmente a geopolítica a marcar o andamento dos mercados financeiros. "O risco geopolítico poderá manifestar-se de diversas formas e prejudicar as perspetivas económicas para o próximo ano. Exemplos disso incluem novas disrupções nas cadeias de produção e distribuição, nomeadamente no setor energético, ou a imposição de tarifas e outras restrições à mobilidade de bens e serviços”, afirma Mário Carvalho Fernandes.Em cenários pautados pela incerteza, os investidores tendem a ser mais conservadores. "Isto significa que, em condições de maior incerteza, os ativos sem remuneração fixa tendem a sofrer desvalorizações, enquanto os ativos considerados de menor risco, como títulos de dívida soberana de países solventes, ganham atratividade. Estes incluem também depósitos bancários garantidos pelos respetivos governos, através de fundos de garantia de depósitos", detalha o chief investment officer do Banco Carregosa.

 

 

No entanto, sublinha o especialista, "as tensões geopolíticas, embora tendencialmente negativas para a economia global, podem beneficiar determinados setores”. É o caso das empresas ligadas à defesa ou a indústrias estratégicas consideradas essenciais pelos principais blocos económicos.

 

 

Além do contexto geopolítico e do desempenho económico, há outro fator importante a ter em conta para se tentar perceber como poderão evoluir os mercados financeiros. "No complexo mundo dos mercados financeiros, existe um ingrediente chave que passa muitas vezes despercebido à maioria dos investidores, mas desempenha um papel substancial na definição das tendências de mercado e dos resultados económicos: falamos da liquidez a nível global”, refere Virgílio Garcia. E, nesse campo, o responsável da Sixty Degrees nota que "em finais de 2025, os investidores terão pela frente uma onda de reembolsos de dívida que poderá impedir este crescimento impulsionado pela liquidez”.

 

 

Durante a pandemia, os bancos centrais injetaram muita liquidez nos mercados e avolumaram-se os valores da nova dívida para ajudar estados, empresas e famílias a suster o embate da crise causada pela Covid-19. Agora, salienta Virgílio Garcia, "à medida que estas dívidas se forem vencendo, a necessidade de refinanciamento poderá sobrecarregar o sistema de liquidez, conduzindo potencialmente a maior volatilidade nos mercados e a tensões financeiras”.

 

 

Esse pode muito bem ser mais um fator a exercer pressão sobre a economia e os mercados financeiros globais nestes anos que têm parecido décadas.

 

 

Há vida além da IA?

 

 

Apesar de todos os desafios com que a economia mundial se deparou nos últimos anos, as bolsas resistiram. Aliás, o índice MSCI World, que mede o ritmo das ações mundiais, negociava no final de novembro em máximos históricos. A questão dos triliões de dólares é se ainda há margem para prolongar o ciclo de ganhos?

 

 

0 consenso das gestoras de ativos é que existem condições para que as bolsas continuem a valorizar. No entanto, começam a surgir alguns sinais de alerta. O Banco Central Europeu, por exemplo, salientou no seu último Relatório de Estabilidade Financeira que "as elevadas valorizações e concentração, particularmente nos mercados acionistas, permanecem como uma preocupação, tornando os mercados suscetíveis a correções súbitas". A autoridade monetária referiu que existem receios de uma sobrevalorização nesta classe de ativos e avisou para o risco de bolha no segmento relacionado com a Inteligência Artificial (IA), área que tem sido o grande motor dos ganhos recentes nas bolsas.

 

 

Ainda assim, apesar desses riscos, a visão dominante entre os bancos de investimento e gestoras de ativos é que as atuais condições económicas poderão continuar a ser favoráveis para as ações. Porém, existe a perspetiva de que as eventuais subidas deixem de estar tão concentradas no tema da IA. "Esperamos que a estrutura de retorno do mercado bolsista se alargue em 2025, num contexto de cortes nas taxas e de crescimento eco nó mico resiliente”, referem os especialistas da Goldman Sachs Asset Management no seu outlook para 2025. Assim, indicam, o caminho para tentar obter retornos nas bolsas passa por "identificar oportunidades subvalorizadas e de longo prazo nos EUA e noutros mercados desenvolvidos e emergentes". Também os especialistas da Amundi salientam que "há margem para que as subidas se estendam além das mega caps americanas”. Detalham que apesar do cenário positivo para os resultados empresariais, as avaliações estão "esticadas", especialmente nas grandes cotadas americanas. Assim, recomendam aos investidores que procurem "segmentos de valor na Europa e setores como o financeiro, Utilities, comunicações e consumo".

 

 

No entanto, a visão mais consensual é a de que o mercado americano permanece como o que aparenta ter mais potencial. Em 2024, as ações dos EUA bateram a concorrência por larga distância. E as apostas são de que essa tendência continue ao longo do próximo ano. Os especialistas do BNP Paribas Asset Management, por exemplo, salientam que a sua preferência regional assenta nos EUA, esperando que o crescimento dos lucros vá além do setor da IA. Já para as ações europeias referem que, apesar de existirem condições para ganhos, deverão "uma vez mais, ficar aquém dos outros principais mercados”. Isto porque, explicam, "a região continua a ser prejudicada pelos desafios geopolíticos e estruturais que a sua maior economia, a Alemanha, enfrenta".

 

 

OBRIGAÇÕES

 

As perspetivas para a bolsa nacional

 

 

Já a bolsa portuguesa teve um ano aquém das principais congéneres europeias, com o PSI a ter retornos praticamente nulos. A evolução do índice nacional tende a ser bastante condicionada pelo desempenho do setor da energia, dado o elevado peso das cotadas desta área. "Quando comparado com os índices europeus, o PSI só em meados de setembro iniciou uma fase de larga underperformance, a qual é em grande parte explicada pelas expressivas quedas da EDP Renováveis e da EDP. Em menor escala, a Galp, a Corticeira e a Sonae também ajudaram à queda superior à dos outros mercados europeus", explica Virgílio Garcia, partner da gestora de ativos Sixty Degrees.

 

 

Para o próximo ano, o especialista aponta que "há razões para esperar um desempenho favorável do BCP, na continuação do forte ímpeto positivo deste ano. A Corticeira Amorim poderá também ter um ano favorável à custa duma redução nos custos da matéria-prima e da melhoria da eficiência resultante dos programas iniciados este ano. Achamos também interessantes a Galp e a Mota-Engil, enquanto ações que transacionam abaixo da sua valorização justa”.

 

 

Por seu lado, Mário Carvalho Fernandes, chief investment Officer do Banco Carregosa, considera que "a recuperação esperada do consumo das famílias em Portugal e na Zona Euro poderá beneficiar empresas mais expostas a esta temática. Adicionalmente, empresas com forte componente exportadora e que tirem partido da valorização do dólar poderão manter este benefício nos próximos meses”. Em contrapartida, indica, "o setor energético e das energias renováveis poderá enfrentar desafios relacionados com o baixo preço do petróleo e as políticas norte-americanas que favorecem a extração de hidrocarbonetos no território dos EUA”. 9 29 CAMBIAL

 

 

O dólar de Trump

 

 

A divisa norte-americana ganhou terreno em 2024 e os analistas apontam para vários fatores que poderão continuar a insuflar o dólar. "A nossa recomendação é que se tome a convicção firme de que os planos da nova administração para uma política orçamental menos restrita, combinada com taxas relativamente mais altas nos EUA e com medidas protecionistas, contribuam para a subida do dólar", referem os economistas do ING, numa nota a investidores.

 

 

Já o euro deverá ter dificuldades para manter o seu valor, isto porque o BCE deverá carregar de forma mais forte no acelerador do corte das taxas de juro do que a Reserva Federal dos EUA. Assim, os analistas do ING preveem que a moeda única negoceie no intervalo de 1,00 a 1,05 dólares. No entanto, uma das grandes questões para o próximo ano passa por saber se o euro irá evitar passar abaixo da paridade.

 

 

As perturbações que se avizinham para o comércio internacional, a par das taxas de juro ainda relativamente altas nos EUA, também poderão criar dificuldades às divisas dos países emergentes.

 

 

O risco geopolítico teve um peso importante na economia e mercados financeiros nos últimos anos. Eleição de Trump e guerras na Ucrânia e no Médio Oriente adensam incerteza. Inflação aproxima-se da meta dos bancos centrais.

 

 

O regresso às preocupações sobre a sustentabilidade da divida?

 

 

Em condições normais, o cenário de algum crescimento económico e de corte das taxas de juro tende a ser positivo para as obrigações. Esta classe de ativos - principalmente a dívida de entidades com maior qualidade de crédito - também costuma sair beneficiada em alguns momentos de maior turbulência geopolítica. "Em condições de maior incerteza, os ativos sem remuneração fixa tendem a sofrer desvalorizações, enquanto os ativos considerados de menor risco, como títulos de dívida soberana de países solventes, ganham atratividade”, afirma Mário Carvalho Fernandes, chief investment officer do Banco Carregosa.

 

 

Todavia, nesta fase, começam a surgir alguns sinais de preocupação sobre a sustentabilidade da dívida de alguns países. Os especialistas da Goldman Sachs Asset Management, por exemplo, dizem "esperar que o foco dos investidores mude para a sustentabilidade da dívida e as formas como as economias vão resolver o legado de dívida que foi emitida para responder às crises da pandemia e da energia". Os responsáveis desta entidade referem que os mercados mostram já algum nervosismo com a continuação da expansão orçamental nos EUA. Neste ponto, falta ainda perceber de que forma as políticas económicas de Trump, assentes em grandes cortes de impostos e medidas protecionistas, irão impactar as contas públicas da maior economia do mundo.

 

Também na Zona Euro há alguns sinais de alerta. O BCE avisou, no seu último Relatório de Estabilidade Financeira, que as vulnerabilidades na dívida soberana se estavam a agravar. "Apesar das reduções recentes nos rácios da dívida sobre o PIB, os desafios orçamentais persistem em vários países da Zona Euro, exacerbados por problemas estruturais, como o fraco potencial de crescimento e por uma maior incerteza política." Já no setor não financeiro, a autoridade monetária nota que os indicadores são de resiliência.

 

 

Dessa forma, nas obrigações, as casas de investimento favorecem a dívida de empresas de alta qualidade financeira. "As obrigações com grau de investimento destacam-se, em nossa opinião, como uma opção para melhorar os retornos do portefólio em 2025, estabelecendo um equilíbrio entre a obtenção de rendimentos e a gestão de riscos”, indicam os gestores da Goldman Sachs. Porém, num ano que deverá ser marcado pela instabilidade geopolítica e por questões sobre o ritmo de corte de juros, os especialistas da instituição defendem que se deverá ter uma abordagem dinâmica nesta classe de ativos.

 

 

CRIPTOATIVOS

 

Uma equipa cripto na Casa Branca

 

 

A bitcoin e outras criptomoedas podem estar bem mais perto de conseguir uma espécie de aval estatal. Até aqui, os responsáveis políticos e reguladores têm olhado com muita desconfiança para este novo tipo de ativos. No entanto, a nova administração Trump pode alterar bastante a forma como os governos olham e lidam com as criptomoedas.

 

 

Na equipa do novo presidente fazem parte grandes entusiastas deste tipo de instrumentos, como o seu vice-presidente J.D. Vance e Elon Musk, por exemplo. 0 próprio futuro inquilino da Casa Branca tem mostrado interesse pela área cripto. Aliás, vai nomear um conselho consultivo para analisar se os EUA devem ter uma reserva estratégia de bitcoins, à semelhança do que acontece com o ouro ou o petróleo, por exemplo. Assim, não é de estranhar que o valor das criptomoedas tenha subido em flecha desde que foram conhecidos os resultados das presidenciais americanas, catapultando a valorização da bitcoin para cerca de 130% entre o início do ano e finais de novembro.

 

 

Caso os EUA legitimem a bitcoin e outros criptoativos, não seria surpreendente que mais países seguissem os passos da maior economia do mundo, legitimando e reforçando o enquadramento destes instrumentos. Contudo, apesar da mensagem mais amigável em relação ao universo cripto, pode haver ainda um longo caminho a percorrer em termos regulatórios e legais.

 

 

Entre a menor procura e a geopolítica

 

 

Mesmo com a estabilização de algum crescimento económico, a procura por matérias-primas esfriou nos últimos meses. Segundo um relatório do Banco Mundial, essa tendência deverá manter-se ao longo de 2025. Isto caso a incerteza geopolítica não se agrave. "É expectável que os preços das matérias-primas desçam até 5% em 2025, após uma queda de 3% este ano”, indicou a instituição. A confirmar-se esta tendência, o índice do Banco Mundial para estes ativos atingirá o valor mais baixo desde 2020.

 

 

Esta descida esconde, todavia, diferentes histórias nas principais mercadorias que abastecem os mercados mundiais. A queda no valor do índice do Banco Mundial deve-se sobretudo à desvalorização do petróleo. "Os preços do Brent deverão negociar com uma média de 80 dólares por barril durante 2024, baixando dos 83 dólares em 2023 e descerem para 73 dólares em 2025”, indica a instituição. Apesar de se prever um ligeiro aumento da procura pelo ouro negro no próximo ano, essa não deverá ser suficiente para absorver o excedente que existe atualmente no mercado. 0 mercado está também a contar com um aumento de produção nos EUA, devido à política energética de Trump, que promete incentivar a exploração de combustíveis fósseis.

 


Já os preços do gás natural têm aumentado nos últimos meses e o Banco Mundial e outras entidades antecipam novas subidas ao longo de 2025. No caso dos metais, a expectativa é de alguma estabilização nos preços. Porém, as projeções do Banco Mundial e de outras entidades que têm revisto em baixa as projeções para os preços das matérias-primas contêm uma ressalva muito importante. "A possibilidade de uma escalada nos conflitos no Médio Oriente representam um risco substancial no curto prazo para os preços de diversas matérias-primas”, realçam os economistas do Banco Mundial.

 

 

O consenso do mercado antecipa que a Fed baixe o intervalo máximo da taxa dos fundos federais para 3,75% até final de 2025.

 

 

DEPÓSITOS E CERTIFICADOS

 

Juros a descer

 

 

O ciclo de descida das taxas de juro deverá continuar a tirar atratividade às aplicações mais tradicionais e com menor risco, como os depósitos bancários e os Certificados de Aforro, por exemplo. 0 início do corte de juros por parte do BCE tem contribuído para uma descida das taxas Euribor. No prazo a três meses, por exemplo, este indexante desceu de 3,9% no final de 2023 para 3% em novembro. E a expectativa é que o ritmo de descida acelere. Aliás, os dados atuais do mercado sinalizam que a Euribor a seis meses desça para 1,85% em dezembro de 2025.

 

 

Assim, é natural que esta eventual queda das Euribor continue a motivar uma diminuição na remuneração dos depósitos bancários. Segundo dados do Banco de Portugal, a taxa de juro média das novas operações caiu de 3,08% para 2,55% nos primeiros nove meses do ano, tendência que deverá continuar ao longo de 2025.

 

 

A Euribor a três meses também serve de referência à remuneração dos Certificados de Aforro. Atualmente, a taxa base destes produtos está no valor máximo permitido: 2,50%. Mas, caso não exista nenhuma mudança nas regras, a expectável descida do indexante a três meses no decurso de 2025 deverá levar a que os juros oferecidos por este produto de dívida do Estado comecem também a baixar. Ainda assim, mesmo com essa provável descida, os Certificados de Aforro poderão continuar a compensar em relação aos Certificados do Tesouro, com uma taxa média anual de 1% para quem os mantenha durante o prazo de sete anos.

 

 

"É razoável admitir que os problemas geopolíticos irão ter um papel mais relevante na evolução dos mercados e das principais economias, no decurso do próximo ano.”

 

 

Virgílio Garcia, partner da Sixty Degrees "O crescimento médio esconde grandes divergências entre regiões e setores, uma vez que o dinamismo da economia americana e o setor dos serviços a nível global têm sido os impulsionadores da expansão da economia, em oposição à letargia registada no setor industrial e nos outros blocos eco nó micos."

 

 

Mário Carvalho Fernandes Chief investment officer do Banco Carregosa "Portugal está a atravessar um bom momento cíclico e estrutural, sendo um dos países da UE que mais cresceu desde o pré-Covid.”

 

 

Paula Carvalho Economista-chefe do BPI A competitividade da economia europeia tem sido um dos calcanhares de Aquiles da região, resultando em crescimentos mais tímidos que de outras economias.

 

 

RUI BARROSO