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27 December 2024 02h35
Source: Expresso

Reinventar a Europa: lições da crise franco-alemã

Reinventar a Europa: lições da crise franco-alemã

A crise atual afeta o eixo central da integração europeia, tornando-se um problema de todos.

 

 

O projeto europeu não enfrentava desafios económicos e políticos tão delicados como os atuais desde a crise das dívidas soberanas de 2011-2012. Embora a pandemia de covid-19 e a guerra na Ucrânia tenham representado ameaças significativas, esses eventos evidenciaram, apesar das dificuldades, a coesão da União Europeia (UE). A resposta conjunta, como os pacotes de recuperação económica e a imposição de sanções regionais à Rússia, reforçou a ideia de solidariedade entre os Estados-membros.

 

 

Os desafios atuais são vários e emergiram quase em simultâneo, resultado de decisões menos acertadas tomadas ao longo de décadas, desde a segurança externa e a transição energética até às questões sociais e económicas. A Alemanha, com o abandono gradual da energia nuclear após o acidente de Fukushima, no Japão, em 2011, e a intensificação da dependência do gás russo barato desde então, evidenciou a sua fragilidade energética com a guerra na Ucrânia, forçando os germânicos a procurarem fontes alternativas e a aprofundarem o debate sobre sustentabilidade e segurança energética.

 

 

No plano social, o envelhecimento populacional e a inversão contínua da pirâmide demográfica evidenciam a crescente dependência de uma população grisalha em relação a uma força de trabalho ativa cada vez menor, tornando a imigração essencial para mitigar esses efeitos. No entanto, os processos de integração enfrentam barreiras culturais, linguísticas e, mais recentemente, a falta de qualificação profissional, dificultando a plena inserção dos imigrantes no mercado de trabalho.

 

 

A indústria europeia revela-se incapaz de acompanhar a liderança na revolução tecnológica global.

 

 

No campo económico, a indústria europeia revela-se incapaz de acompanhar a liderança na revolução tecnológica global. A ausência de empresas com a dimensão das gigantes dos EUA e da China reflete uma desvantagem em inovação e competitividade, limitando a capacidade europeia de se afirmar à altura desses dois grandes blocos económicos globais.

 

 

As perspetivas para a economia europeia são sombrias, com o FMI e o BCE a reverem sucessivamente em baixa as projeções. Em 12 de dezembro, o BCE reduziu a previsão de crescimento da zona euro para 2024 para 0,7%, estimando 1,1% e 1,4% para 2025 e 2026. Em França, reformas impopulares, como o aumento da idade da reforma, provocaram protestos e aumentaram a desconfiança na capacidade de o Governo equilibrar sustentabilidade fiscal e proteção social, enquanto a dívida pública francesa se aproxima do máximo de 114,7% do PIB.

 

 

Enquanto isso, a Alemanha, motor económico da Europa, enfrenta o segundo ano de recessão, com sectores, como o automóvel, pressionados pela forte concorrência chinesa, sobretudo nos veículos elétricos, evidenciando dificuldades na adaptação tecnológica. Embora a escassez de gás tenha sido superada, o preço do TTF neerlandês triplicou desde fevereiro, ameaçando a competitividade empresarial e o poder de compra das famílias, reacendendo os receios de 2022. Em meados de dezembro, um Dunkelflaute — dia sem vento e sem sol — elevou o preço médio da eletricidade na Alemanha a 395 euros por megawatt hora.

 

 

Os investidores esperam que o BCE corte os juros até 1,75% em 2025 e que Bruxelas alivie o rigor orçamental. Embora a fragilidade do eixo franco-alemão ameace a coesão da UE, a situação seria ainda mais problemática se as dificuldades fossem exclusivas de apenas um dos países. Hoje, a Alemanha já não possui a robustez de 2011, logo o spread dos rendimentos das dívidas soberanas gaulesa e germânica não deve aumentar significativamente. E, ao contrário da crise das dívidas soberanas em 2011, então vista como um problema dos países do Sul, a crise atual afeta o eixo central da integração europeia, tornando-se, assim, um problema de todos, exigindo esforço coletivo para que a UE renasça mais forte e coesa.

 

 

Paulo Monteiro Rosa, economista sénior do Banco Carregosa