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13 December 2024 01h20
Source: Vida Económica

Concentração de risco nos EUA impulsionada pela ‘lei gravitacional de Newton’

 Concentração de risco nos EUA impulsionada pela ‘lei gravitacional de Newton’

Impulsionado pelo crescente protagonismo das gigantes tecnológicas do S&P 500, o investimento cada vez mais concentrado nas bolsas americanas aumenta gradualmente a exposição ao risco dos EUA. Avaliado em 51 biliões de dólares, o índice, atualmente próximo dos 6100 pontos, representa 1,8 vezes o PIB nominal dos EUA e metade do PIB global - algo sem precedentes. Este fenómeno reflete a tendência global dos investidores, alocando cada vez mais capital em ativos americanos. Sustentado pela robustez e pelo potencial de retorno associado à inteligência artificial (IA), o S&P 500 funciona como um pólo gravitacional, atraindo riqueza de todo o mundo. Contudo, esta força não é ilimitada. Se o mercado americano enfraquecer, a sua capacidade de atração diminuirá, com impactos significativos na economia global. Além disso, a força gravitacional, tanto na física como na economia, é bidirecional, ou seja, enquanto o "resto do mundo”, sobretudo através de excedentes comerciais, exerce força sobre os EUA, as bolsas americanas atraem grande parte do investimento global.

 

 

A magnitude dessa força depende das "massas” envolvidas - como PIB, comércio internacional ou montantes investidos em bolsa - e da distância entre os locais, medida cada vez mais em tempo e menos em quilómetros. De acordo com a fórmula (F=G*[(M1*M2)/D^2)]), a força gravitacional (F) é proporcional ao produto das massas de dois lugares (M1 e M2), mas inversamente proporcional ao quadrado da distância (D), onde G é a constante gravitacional universal. Quanto maior a "massa”, maior a atração, mas quanto maior a distância, menor a influência. Por isso, economias remotas, como as dos povos isolados da Amazónia ou da Papua Nova Guiné, quase não são influenciadas pela economia americana.

 

 

Como maior economia global e sede de gigantes tecnológicas como Apple, Microsoft e Nvidia, os EUA possuem uma "massa” económica significativa, atraindo capital global à procura de segurança, retornos elevados e maior exposição à inovação. Simultaneamente, as empresas americanas investem no exterior, refletindo uma força bidirecional visível na produção em países como a China. Esta interação entre os EUA e o "resto do mundo” — incluindo economias avançadas como a europeia e japonesa ou emergentes como a chinesa e indiana — cria uma interdependência económica. Por exemplo, a China exporta para os EUA, acumula dólares e reinvesteos frequentemente em ativos americanos, como obrigações do tesouro e ações, valorizando esses ativos. Ao mesmo tempo, as multinacionais americanas dependem dos consumidores globais para sustentarem o crescimento.

 

 

No modelo gravitacional, a distância influencia a atração económica, que é medida em tempo e não em quilômetros. Os avanços tecnológicos reduziram significativamente esta distância, fortalecendo a conectividade global. Quanto menor a distância em tempo, maior a atração económica. No entanto, se um dos lados — EUA ou o resto do mundo — perder massa económica devido a uma recessão, a força de atração diminuiu proporcionalmente. Por exemplo, um abrandamento nos lucros das empresas americanas pode redirecionar fluxos de capital para outros mercados, alterando o equilíbrio gravitacional.

 

 

Apesar do otimismo em torno da IA e de empresas como a Nvidia estarem a impulsionar a valorização dos mercados americanos, há riscos no horizonte. Os Indicadores Económicos Avançados (Leading Economic Indicators, LEI) apontam para uma recessão há 30 meses, enquanto a regra de Sahm está em 0,43 pontos percentuais (pp), próximo dos 0,50 pp que indiciam recessão. Além disso, a Fed de Nova Iorque estima uma probabilidade de 33% de recessão nos próximos 12 meses. Outro ponto crítico é a atual concentração excessiva em poucas empresas tecnológicas que dominam o S&P 500. Embora tenham gerado retornos elevados, a concentração aumenta a vulnerabilidade do mercado, evocando paralelos históricos como o desmembramento do império de Rockefeller pelas regulamentações antitruste. Hoje, gigantes como Apple e Microsoft enfrentam desafios semelhantes.

 

 

Ainda assim, o mercado americano continua a atrair investidores, impulsionado pelas expectativas de ganhos de produtividade proporcionados pela IA e por um crescimento económico sustentado de 3%. A valorização do mercado acionista fomenta um ciclo de otimismo e estímulo ao consumo nos EUA, enquanto a política orçamental expansionista reforça igualmente o crescimento. Todavia, esta dinâmica pode reverter. Se os lucros não corresponderem às expectativas, o S&P 500 perderá massa e força gravitacional. A concentração de risco em poucas empresas e num único mercado é um alerta para potenciais crises globais. A implosão de uma eventual bolha tecnológica, impulsionada pela IA, pode desencadear efeitos de cascata, impactando investidores em todo o mundo.

 

 

Paulo Monteiro Rosa, Economista Sénior do Banco Carregosa